João José Brandão Ferreira, Oficial Piloto Aviador
«Estes homens, nos tempos de lutas e de crises,
tomam as velhas armas da Pátria, e vão, dormindo
mal,
com marchas terríveis, à neve, à chuva, ao frio,
nos calores pesados, combater e morrer longe
dos filhos e das mães, sem ventura, esquecidos,
para que nós conservemos o nosso descanso
opulento.
Estes homens são o povo, e são os que nos
defendem».
Acabo de ler um trecho de «O Povo», de Eça de
Queiroz.
Bom dia a todos.
Os meus agradecimentos por me dispensarem uns
minutos da vossa atenção.
A Constituição da República Portuguesa (CR),
apesar de ser a mais extensa que tivemos, desde 1822, não encontrou espaço nos
seus 296 artigos e sete revisões, para referir uma única vez a palavra «Nação» –
a Nação dos Portugueses.
Já relativamente à palavra «Pátria», a
Constituição é mais pródiga: invoca-a, nada mais, nada menos, do que uma vez,
mais concretamente no seu artigo 276, e cito «A defesa da Pátria é direito e
dever fundamental de todos os portugueses»!
É sabido que a defesa da Pátria não se faz
apenas de armas na mão; essa defesa pode e deve, estender-se a todas as áreas
da actividade humana.
Mas convém não esquecer que a defesa armada é o
último argumento, que se faz em extremo e pode implicar o sacrifício de bens,
sangue e vida.
E, ao ter-se abandonado o Serviço Militar
Obrigatório, parece que a defesa da Pátria – esse dever e direito fundamental,
segundo a Constituição, ficou direito de todos e dever só de alguns…
A Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas,
por sua vez, continua omissa sobre a «Nação», mas já fala duas vezes em Pátria;
no seu artigo 9.º repete a fórmula da Constituição; e no Art.º 22 afirma
perentoriamente que, «será assegurada de forma permanente a preparação do País,
designadamente das Forças Armadas para a defesa da Pátria» (atenção, eu só
estou a dizer o que está lá escrito, não confundir com o que se tem feito…).
Ora haver Nação sem Pátria é curto; mas haver
Pátria sem Nação, é impossível!…
Porém, não havendo aparentemente, Nação, o
Estado, que é justamente a Nação politicamente organizada, representará, então,
quem ou o quê?
Ora se o Estado não representar a Nação, não
pode sentir a Pátria como sua, tão pouco a entender.
Portugal é, todavia, uma Nação coesa,
seguramente desde o tempo do esclarecido Rei, o Senhor D. Dinis; com as mais
antigas fronteiras estáveis do mundo, mau grado o esbulho pendente de Olivença;
formou um Estado Nacional Português, desde o tempo do preclaro Rei, Senhor D. João
II e ganhou consciência que era uma Pátria, senão antes, garantidamente, depois
de Camões ter escrito os Lusíadas!
E Camões – que também foi um combatente – não se
esqueceu de, neles, referir a Nação – fê-lo, até, por sete vezes – e não foi
avaro em relação à Pátria já que a evoca em 35 ocasiões!
E a obra de Luís Vaz – cuja morte neste dia
também evocamos – foi-lhe tão superior e transcendente, que ele próprio se
enganou ao dizer, pressentindo o fim, que «morria com a Pátria», antevendo a
ocupação castelhana.
O certo é que, a Nação que já era Pátria,
sobreviveu aos 60 anos da Coroa Dual Filipina e passou a viver de vida própria,
qual fénix renascida!
O que atrás se disse representa, pois, a
dissonância existente entre o Estado e a Nação, que é a razão por que nós nos
reunimos aqui, desde há cerca de 25 anos, a comemorar o Dia de Portugal,
honrando os combatentes, enquanto as figuras que ocupam transitoriamente as
cadeiras do Poder – Poder que está hoje, maioritariamente, fora do país – estão
sempre noutro lado. E quanto aos combatentes por norma, aos costumes dizem
nada.
Essa é também a razão pela qual as Forças
Armadas só voltaram a integrar as comemorações oficiais do feriado nacional, há
10 anos, depois delas terem estado arredadas cerca de três décadas.
E caros compatriotas aqui presentes, não somos
nós que estamos mal; «eles» é que se afastaram do trilho certo. Do trilho do
Dever, da Honra, do Patriotismo, do amor a Portugal.
*****
Esta cerimónia, singela mas muito digna,
realizou-se sempre sem se pedir um ceitil que fosse, ao Estado e junto a um
monumento, em memória dos combatentes, em que nada se pediu, também, ao Estado
– aliás, em várias alturas, teve que ser construído com a oposição desse mesmo
Estado.
*****
Parece que a frase, entre muitas, célebre, do
grande português e militar, que foi o tenente-coronel Joaquim Augusto Mouzinho
de Albuquerque, de que «Portugal é obra de soldados» passou a estar na moda.
Mas estando ou não, na moda, essa frase foi
sempre uma realidade, pois sem soldados – isto é, sem combatentes – não haveria
território, a tal «nesga de terra debruada de mar», no dizer de Torga; não
haveria população; não haveria matriz cultural; não haveria segurança, não
haveria Justiça, não haveria Bem-Estar, não haveria liberdade.
E quem permitiu e fez isto? Pois foram os
soldados, os combatentes, o tal povo, do Eça.
Onde se devem individualizar as mães e as
mulheres, pois foram elas que sempre aguentaram a retaguarda!
Por isso todos nós devemos estar orgulhosos dos
nossos combatentes; de quem disse «pronto», quando chegou a hora; quem lutou
quando foi preciso lutar; quem não virou a cara aos sacrifícios; quem não
desertou do combate ou, pior ainda, quem traiu a terra que lhe serviu de berço,
a terra dos seus pais.
Porque, desgraçadamente, desses sempre os houve
e ainda há.
Também deles falam «os Lusíadas» e não há
estátuas, nomes de ruas, séries de televisão, condecorações, prémios,
branqueamento da História, etc., que possa apagar essa realidade da memória
colectiva da Nação.
Pelo menos enquanto restar um português com
algum saber, vergonha na cara, coluna direita e bem-querer na alma!
*****
Caros compatriotas, o combate não terminou com
aqueles que hoje homenageamos e desenganem-se aqueles que julgam que não
teremos de guerrear, novamente, ou que o terrorismo é apenas uma expressão de
lunáticos contemporâneos, já que a sua origem remonta ao século XI, ao «velho
da montanha» e à seita dos hashashin e, modernamente, em termos de terrorismo
de Estado, à Revolução Francesa de 1789.
Temos que nos preparar para os combates do
futuro.
Os nossos antepassados não andaram a trabalhar,
a lutar, a edificar e a expandir o nosso país, desde 1128, para agora estarmos
a alienar ao desbarato, a nossa soberania, a nossa nacionalidade, a nossa
cultura (onde a língua tem um lugar de destaque), as nossas gentes, o nosso
património e a nossa terra.
Para ficarmos escravos de dívidas perpétuas e
enredados em leis alheias, iberismos serôdios ou federalismos espúrios; sermos,
eventualmente, submersos por vagas de estranhos, cujas matrizes culturais não
estejamos aptos a integrar, sem perdermos a nossa; e a caminhar para, a breve
trecho, não haver um Km2 de território em mãos portuguesas.
E, outrossim, por nos estarmos a suicidar
colectivamente, por via de excesso de emigração, imigração, leis de
naturalização erradas, quebra demográfica gravíssima e corrupção galopante.
Finalmente para sermos reféns de organizações
sem rosto oficial, de carácter internacionalista e mais ao menos secretas ou
discretas, que ninguém elegeu e que transformam, só por si, a Democracia e a
Justiça, numa ficção.
E em vez das cinco Quinas passarmos a ter como
símbolo o «Deus Mamon».
Temos de olhar à nossa volta, acordar e reagir!
É que, como disse o tão mal citado Fernando
Pessoa, «só existem Nações, não existe Humanidade».
Caros compatriotas, esta cerimónia destina-se à
exaltação da memória dos combatentes, nossos antepassados ou contemporâneos,
mas destina-se também, aos que hoje vivem e a quem compete receber e passar o
testemunho.
Pois deles é o futuro e, por isso, a quem
compete reflectir sobre o exemplo dos que caíram ou se sacrificaram no campo,
que tem de ser da Honra, enquanto as imperfeições da natureza humana não
permitem a erradicação da guerra e outras imoralidades, na eterna luta entre o
Bem e o Mal.
Devemos, deste modo, curvar-nos, reverentes e
obrigados, junto aos nomes daqueles que estão gravados nos muros deste
memorial, que combateram nas últimas das centenas de campanhas ultramarinas que
realizámos nos últimos seis séculos (não foram seis décadas…), fazendo jus ao
Padre António Vieira que um dia disse que «Deus deu aos portugueses um berço
estreito para nascer e o mundo inteiro para morrer».
Evoco em nome de todos, aquele cujo nome figurou
primeiro neste local: o do Subchefe da polícia Aniceto do Rosário, morto em
combate, que na iminência de um ataque dos indianos disse ao Governador, «Parta
V. Ex.ª descansado que eu não deixarei ficar mal a bandeira portuguesa».
E não posso deixar de dizer, com todas as fibras
do meu ser, que eles lutaram bem, competente e vitoriosamente, numa guerra
justa, em termos humanos e que, infelizmente terminou de forma trágica e não
merecida.
Nesta luta fizemos frente à maior campanha
montada a nível global e mundial, contra a Nação dos Portugueses, desde a
Guerra da Restauração.
Nela chegámos a manter 230 000 homens em pé de
guerra, em quatro continentes e três oceanos, a combater durante 14 anos, em
três teatros de operações enormes, distantes entre si e a então Metrópole – que
era a base logística principal – por milhares de quilómetros, sem fazer uso de
alianças militares e sem generais ou almirantes importados, o que já não
sucedia desde Alcácer-Quibir.
Usufruindo de uma logística notável – basta
comparar com o que se passou com a nossa participação na I Guerra Mundial – que
já não conseguíamos montar tão bem, desde que enviámos a terceira Armada, à
Índia, comandada pelo João da Nova, em 1501!
Abro um parêntesis para destacar a Marinha
Mercante, neste esforço logístico, sem a qual não poderíamos ter reagido
rapidamente nem sustentado tão longo período de operações.
Hoje, dos 70 000 navios mercantes existentes no
mundo, apenas uma dezena são de armadores portugueses e ostentam o pavilhão
nacional. Nem meio batalhão conseguem transportar…
Nesta campanha só não conseguimos resistir à
miserável invasão de Goa, Damão e Diu, pela União Indiana, em 1961, pela enorme
desproporção de forças em presença e pela usual hipocrisia das relações
internacionais. Mesmo assim ainda conseguimos pô-la em sentido durante mais de
10 anos – não foi coisa de somenos.
Nova Deli usou o «direito da força» mas nunca
teve a força do Direito, nem da Razão!
Toda esta acção, a todos os títulos magnífica,
não encontra paralelo em nenhuma campanha contemporânea, mas foi apenas
corolário daquilo que o escritor americano, James Michener, disse de nós e
cito: «Nesses anos quando um soldado português desembarcava de um dos barcos da
sua nação para servir num forte de Moçambique, ou em Malaca, ou nos estreitos
de Java, já previa, durante o seu tempo de serviço, três cercos, durante os
quais comeria erva e beberia urina. Estes defensores portugueses contribuíram
para uma das mais corajosas resistências da História do Mundo».
A estes se devem juntar todos aqueles e seus
descendentes, que desde a tarde de S. Mamede, acompanharam o nosso pai, Afonso
Henriques, e têm mantido o seu legado até aos dias de hoje.
Lembrar o seu exemplo e preservar a sua memória,
é tarefa ingente de todos os bons portugueses, pois tal deixou de ser feito na
escola, na generalidade dos «média» e quase desapareceu do discurso político a
não ser em frases de circunstância, ditas sem convicção.
Em 1582, esse grande patriota que foi Ciprião
Figueiredo de Vasconcellos, Governador das Ilhas dos Açores, escreveu ao
monarca Habsburgo, que reinava em Madrid e atirou-lhe, «Antes morrer livres que
em paz sujeitos» e logo acrescentou, «nem eu darei aos moradores destas ilhas
outro conselho, porque um morrer bem é viver perpetuamente».
Afirmamos hoje, o mesmo, com Esperança e
acrisolada Fé, em que consigamos manter a estamina necessária para preservar a
nossa terra, Portugal, livre e independente.
Lembro que um combatente só dá baixa para a
cova!
Caros compatriotas, vou terminar com a melhor
homenagem que podemos fazer a quem combateu e, porventura, morreu na defesa da
terra dos nossos antepassados, e por tudo o que tal representa, incluindo o de
que o seu sacrifício não possa ser considerado em vão.
Vamos todos em conjunto e em uníssono, darmos um
grande e empolgante viva a Portugal.
Viva Portugal.
Viva Portugal!