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Militares da 1.ª / BCav8421, prisioneiros da Frelimo, a caminho da Tanzânia. Foto publicada em Set74 na revista «Mozambique Revolution» (editada pela Frelimo) |
Luís Alberto Oliveira Lidington da Silva
«...TRAIDORES,
sempre os houve entre alguns.»
Luís Vaz de Camões
Tomei conhecimento desta
vergonhosa entrega da Companhia de OMAR já depois da independência e, protegido
pela escuridão do cinema em Vila Cabral, onde a FRELIMO fez passar um
documentário que me apanhou desprevenido, as lágrimas de vergonha e dor
correram-me pela face... A Companhia formada na parada em
Dar-es-Salam foi «magnanimamente» libertada por Samora Machel perante a
imprensa internacional... Em Moçambique a FRELIMO ao fim de 13 anos
de guerrilha não tinha uma dúzia de prisioneiros para apresentar como prova da
sua vitória! E fomos nós que lhe proporcionámos os figurantes para este
cenário.
A FRELIMO fez o seu
papel e bem! Nada tenho contra eles....Eram o inimigo e sabíamos, que estava a
ser instrumentalizado pela URSS e com o apoio de todos os países que queriam um
Moçambique fraco que fosse uma presa fácil para ser sujeito ao
neo-colonialismo.
O nosso Exército,
despolitizado, foi presa fácil do comunismo internacional.... VERDADEIRAMENTE
nunca, em 14 anos de mobilização, se tentou explicar aos nossos soldados porque
lutávamos! Na classe dos oficiais apenas os da «esquerda» estavam
politizados... Servi o Exército durante quatro anos e, posso dizê-lo, saí de
cabeça levantada em 1970! Ainda hoje, apesar do desfecho, não estou
arrependido...
Honra e Louvor ao capitão
José Luiz da Costa Sousa que tem a coragem moral de escrever sobre
este assunto.
A história, a verdadeira
história da descolonização, será feita depois deste e outros assuntos, deixarem
de ser considerados «política» e testemunhos destes serão importantes.
Abraço deste teu Amigo de
sempre
Leiam este relato
impressionante do capitão paraquedista, José Luís da Costa Sousa, sobre
corja que traiu e roubou Portugal, e continuará a roubar e a sujeitar... os
portugueses a humilhações. Um dia haverá justiça. Um homem quando cai levanta-se mais
forte.
A quebra do moral das
tropas portugueses em África, como ocorreu e eu a vivi no terreno.
Moçambique é para
sempre, na minha memória, o paraíso maravilhoso que o português ali construiu,
feito de felizes viveres, a brancos e pretos, amarelos e indianos, mistos e
outros, em cidades maravilha onde viviam sociedades multiétnicas em paz e
felicidade como Lourenço Marques, Beira, Quelimane, etc.. e as suas ilhas
feitas de sonhos tropicais.
Apresentei-me no
Batalhão de Paraquedistas 31, BCP 31, na Beira em Fev74, já com 3 anos de
guerra de Angola; levava comigo de Portugal a informação das reuniões dos
capitães preliminares do 25Abr74, em que tinha tomado parte, vestido eu de
políticas inocências, purezas e outras madurezas enfim, singelezas de mim.
O Comandante do 31 era
um senhor peculiar em zangas permanentes com o seu ego e a vida, no acto da
minha apresentação perguntou-me:—
«Vem por imposição ou
voluntário?», «Voluntário» digo eu, responde ele «Talvez se arrependa», pensei «Estou
feito...», mas enfim, ossos do ofício, o oposto de Angola, onde reinava a
absoluta normalidade na cadeia de comando.
Passei a informação
sobre o movimento dos capitães e fui cumprir uma curta missão a Lourenço
Marques, monitorar um curso de queda livre para civis em aviões FAP,, e depois
regressei.
Nomeado comandante da 1.ª
CCP, em substituição do meu impagável amigo Capitão Monteiro, avancei com a
Companhia para Vila Paiva de Andrade, na Gorongosa.
O 25Abr74 apanhou-me
ali, o administrador de Posto trouxe tal notícia ás 5 da tarde, tinha um ar
fúnebre... e fúnebres ficaram o comandante do Batalhão do Exército e seus
oficiais, que eu ali reforçava, estranhei tal nos meus 26 anos, virgens de
políticas.
Reuni a Companhia para
informação, informei e terminei com a afirmação da minha profunda e gongórica
ignorância política:—
«Agora, com o general
Spínola à frente dos destinos do País, vamos fazer a guerra a sério, e vamos
acabar com isto, rapidamente.»
Constava-se que o dito
cujo general, mais tarde marechal, era um grande cabo de guerra, mas era
sobretudo teatro e teatral e nada mais afinal!
Dia 30 de Abril, a minha
Companhia saiu para operações, foi emboscada, sofremos um morto, o infeliz e
inesquecível Furriel A. Silva, e um ferido grave; era a guerra e a sua lógica
de fatalidades; continuámos com a actividade operacional normal.
Entretanto, de Portugal
iam chegando notícias do 25Abr, vagas, dispersas.
Um dia os meus alferes e
sargentos, urgentes, solicitaram uma reunião comigo e o alferes Ledo, afoito
transmontano, perguntou-me:—
«Meu capitão, ouvimos na
rádio que vai haver contactos e conversações com a FRELIMO com vista á Independência,
assim sendo, a partir de hoje, o senhor explique-nos quais as razões pátrias,
para morrerem mais paraquedistas na guerra, como aconteceu ao furriel Silva?»
Triste e crítico, foi
dos piores momentos da guerra para mim, de repente e de chofre, sou colocado
perante a destruição irreversível do MORAL das tropas portuguesas, quinze dias
pós Abril74.
A vontade de combater e
morrer em defesa de Portugal, tinha acabado de ser assassinada na alma de
todos os militares, paraquedistas ou não, e foi.
Nesses momentos, não há
retórica que valha contra os factos e eu disse apenas:—
«Esta Companhia vai
continuar a cumprir todas as ordens e missões que recebermos via hierarquia,
independentemente de tudo; quando recebermos ordens para terminar a actividade
operacional, fá-lo-emos, até lá cumprimos, entendido?!».
Entendido e cumprido
religiosamente até à Independência, data em que fui para Angola,
voluntariamente.
Mas, a quebra do Moral
das tropas espalhou-se Moçambique fora e em Omar, Cabora Bassa, etc… onde
militares do Exército, ora entregavam as armas à Frelimo, mal estes apareciam,
ora se entregavam a eles próprios.
O caso em Moçambique,
duma companhia do Exército sediada no Norte, em Omar, foi o mais brutal, o mais
cobarde e traidor de todos os conhecidos.
Em tal caso, 120
militares portugueses pediram à Frelimo por telefone, para virem ao seu quartel
para se renderem eles e as armas… a Frelimo veio e prendeu-os a todos,
levaram-nos para a Tanzânia, Dar-es-Salam, onde andaram a ser exibidos nas ruas
como animais de circo… como derrota de Portugal e a vitória da Frelimo... foram
libertados em meados de Setembro.
Foi um incidente pré-planeado
pelo PCP e afins mais o MFA, e executado por militares infiltrados naquela
companhia com tal propósito, para forçarem a entrega de Moçambique sem
pré-condições.
Está aí o relato:—
2 de Agosto de 1974,
Tanzânia, Dar-es-Salam, Hotel Kilimanjaro, quarto 602
Neste local decorreu uma
reunião, clandestina e ilegal, em que esteve presente um grupo de militares
portugueses constituído pelo major Melo Antunes e mais uns poucos elementos do
MFA, sem qualquer delegação, autorização e até sem conhecimento do Governo
Português ou do Presidente da República; representavam apenas o MFA.
Foi este grupo
clandestino de militares do MFA, que estabeleceu os termos irreversíveis do
posterior acordo de Lusaka para a Independência de Moçambique, contra aquilo
que o Presidente da República tinha determinado, e colocou Portugal perante um
facto consumado sem saída e, fê-lo intencionalmente.
A reunião começou com
Samora Machel a dizer:—
«E agora oiçam esta
gravação…»
Samora sabia que aquilo
que se ia ouvir forçaria os termos do acordo de Lusaka em 07 Set 75.
No gravador começa a
rodar a cassete, e ouvem-se vozes, vozes em português.
Vozes que se identificam
como sendo de militares portugueses, colocados numa base situada no Norte de
Moçambique, junto à fronteira com a Tanzânia, a Base do Exército em Omar.
À medida que a cassete
avança o constrangimento entre os MFA´s que representaram ilegalmente Portugal
cresceu:
Frelimo:
— «Vocês quem
são? (Veio a identificação.)
— E querem entregar-se
porquê?
Militares de Omar:
— Porque é hoje o dia! Porque vocês são os libertadores da nossa Pátria! Queremos
entregar-vos as nossas armas!
«Os vivas à Frelimo
repetem-se!»
O comandante Almeida e
Costa, presente nesta reunião, recordou que Melo Antunes se levantou e
desabafou:—
«Merda, assim não se
pode fazer nada».
Foi teatro, ele sabia de
tudo, foi por isso que lá foi clandestinamente, o caso de Omar serviu apenas
para justificar em Portugal as cedências à URSS / Frelimo e para isso o
planearam e executaram:—
Este encontro que
começou a 31 de Julho de 1974, em Dar-es-Salam, estava inquinado desde o
princípio.
No seu livro, «País sem
Rumo», o gneral Spínola afirmou que tal encontro decorreu sem a sua autorização
e sem o seu conhecimento, enquanto Presidente de Portugal, dizendo:—
«O major Melo Antunes,
então ministro sem Pasta, deslocou-se, sem meu conhecimento, a Dar-es-Salam
para, à margem de qualquer política concertada com a Presidência da República
ou com os ministros dos Negócios Estrangeiros [Mário Soares] e da Coordenação
Interterritorial [Almeida Santos], estabelecer um plano de entrega de
Moçambique à Frelimo, plano que viria a concretizar-se numa proposta inicial a
que ele desde logo aderiu e que representava a abdicação total perante o
inimigo por nós próprios tornado poderoso.»
Na reunião seguinte,
essa autorizada pelo Presidente da República, que teve lugar logo em 15 de
Agosto, em Dar-es-Salam, Almeida Santos refere que Spínola exigiu que a
delegação da Frelimo apresentasse desculpas à delegação portuguesa por aquilo
que sucedera em Omar, como condição para se iniciarem conversações.
E aqui temos mais um
relato, que confirma a miséria de Omar, este feito por Almeida Santos:—
«Assim fizemos. Mas, com
surpresa nossa, Samora Machel começou por pretender desconhecer do que
estávamos a falar»:
Samora Machel:
—
Emboscada de Omar?! Uma Companhia aprisionada?
Por fim fez-se luz no
seu espírito:
Samora Machel:
— O quê?
Aquela «entrega» dos vossos soldados?
E voltando-se para um
qualquer assessor da sua delegação:
– Traz a cassete…«Cassete?
Íamos de
surpresa em surpresa.
Mas a verdade é que a
misteriosa cassete veio, foi por nós ouvida, e ouvi-la ficou a constituir uma
das maiores humilhações porque terá passado a delegação de um país.
O que nós ouvimos foi o
registo sonoro de uma «entrega», não apenas voluntária, mas insistentemente
solicitada.»
Frelimo:
— Vocês quem
são? (Veio a identificação.)
— E querem entregar-se
porquê?
Militares portugueses:
—
Porque é hoje o dia! Porque vocês são os libertadores da nossa Pátria! Queremos
entregar-vos as nossas armas!
Almeida Santos:
— Não
garanto a exactidão das palavras – cito de memória –, mas asseguro o sentido
delas.
Seguiram-se os abraços,
o «pega lá a minha arma, meu irmão», etc., etc.
É claro que não havia
lugar a exigência de desculpas. Limitámo-nos a pedir uma cópia da cassete para
em Lisboa documentarmos isso mesmo.
Foi, pois, este major
Melo Antunes o 1.º responsável do processo descolonizador de Moçambique tal
como decorreu, ao arrepio do Governo e do Presidente da Republica General
Spínola e exclusivamente pró URSS.
Foram incontáveis os
casos de cobardia induzida e humilhação Pátria, indescritíveis, recordo um
Pelotão do Exército que içava a bandeira nacional, Fingoé, se não me engano,
apareceu a Frelimo, esta exigiu que a bandeira fosse retirada, calcaram-na,
rasgaram-na e levaram as armas; reacção dos militares, zero, demissão total.
Várias unidades do
Exército, manipuladas por agitadores intestinos politizados, fugiram e
abandonaram os aquartelamentos… outros prenderam os comandantes que pretendiam
continuar a presença de Portugal com um mínimo de dignidade.
Em 14 anos de guerras
nada disto acontecera; foi consequência única, exclusiva e imediata da quebra
do Moral e da infiltração nos batalhões do Exército de submarinos treinados do
PCP, com estas instruções de rendição.
Os mesmos heróis
revolucionários que, como o major Melo Antunes, premeditadamente tinham
colocado as intenções de descolonizar nos média, e que, consequentemente,
provocaram a quebra total do Moral das tropas, usaram depois esses casos como o
de Omar e outros por eles provocados e até dirigidos, para alegarem que o
Exército Português estava derrotado e destroçado, sem vontade de combater e
justificaram assim a urgência da descolonização, que foi uma mera fuga,
ordenada pela URSS, via seus acólitos políticos em Portugal e não só.
Tudo foi cientificamente
planeado e executado; 500 anos de História e o sacrifício e trabalho de milhões
de gerações de portugueses, foram-se nos ventos da revolução, num ano e meio.
O descolonizador chefe foi de facto o major Melo Antunes, apoiado pelo MFA e com a autoridade e a força de ser
o testa de ferro do PCP dentro do MFA, era tido como pessoa culta e
inteligente... mais tarde disse da descolonização:—
«Foi a descolonização
possível… a melhor possível».
Hipocritamente tinha
sido ele que, politica e militarmente, dirigido pelo PCP, mais fez para criar
as condições para que assim fosse.
Mas culpabilizou as
políticas e as forças armadas, acusando-as de estarem desmoralizadas,
derrotadas e como tal, houve que «Descolonizar em força e já!» avaliou-as por
si próprio, amedrontado e etilizado lá por Ninda em 70, como eu o vi.
Foi assim o inicio da
descolonização que eu vivi, no terreno onde aconteceu.
Como militar, tinha
aprendido nos bancos da Academia Militar, que o Homem e o seu Moral, eram as
armas fundamentais e a espinha dorsal de qualquer exército e que sem elas, nada
feito.
Mas só face ás
circunstâncias concretas se percebe a dimensão de tal verdade.
José Luiz da Costa
Sousa.
Capitão Paraquedista