José Milhazes,
Observador, 13 de Maio de 2015
Os parentes de 150 dos soldados russos mortos na
Ucrânia receberam uma indemnização de cerca de 34 mil euros para assinarem um
documento onde garantiam guardar segredo sobre a causa da sua morte.
No dia 27 de Fevereiro, Boris Nemtsov, um dos
líderes da oposição russa, foi abatido a tiro «nas barbas» do presidente Putin,
ou seja, muito perto do lugar mais bem guardado da Rússia: o Kremlin. A polícia
fez rapidamente detenções, mas, até agora, os detidos negam o seu envolvimento
no crime e a investigação poderá terminar como as anteriores: os verdadeiros
organizadores de assassinatos de políticos e jornais opositores continuam em
liberdade.
Segundo os aliados políticos de Nemtsov, uma das
causas do seu assassinato poderia ter sido o facto de ele estar a preparar um
livro sobre a ingerência militar russa nos assuntos da vizinha Ucrânia e os
custos económicos disso. Por isso, eles decidiram terminar a investigação
iniciada por Nemtsov e publicá-la num relatório: «Putin. Guerra».
Os dirigentes da oposição russa consideram que a
política externa agressiva do Kremlin em relação à Ucrânia foi planeada com
vista a fazer subir a popularidade do presidente Putin depois das eleições de
2012, quando se viu perante uma forte contestação nas ruas. Tudo foi planeado com
antecipação: desde o suborno de altas patentes militares e dos serviços
secretos ucranianos até a concessão de empréstimos, em condições vantajosas,
pelos bancos russos a homens de negócios da Crimeia que defendiam posições
pró-russas.
Para Nemtsov, o derrube do presidente ucraniano
Victor Ianukovitch foi apenas o pretexto para dar início à intervenção militar
aberta da Rússia no país vizinho.
No relatório apresentam-se as declarações
contraditórias de Putin para explicar a forma de anexação da Crimeia. Em Março
de 2014, ele dizia à agência Bloomberg: «São forças de autodefesa
locais», acrescentando que o facto de esses «homens verdes» trajarem fardas
russas se devia ao seguinte: «Olhe para o espaço post-soviético. Está cheio
de uniformes semelhantes… no nosso país, vai a uma loja e compra qualquer
uniforme».
Porém, um ano depois, o mesmo Putin revelava numa
das suas «conversas com o povo»: «Não escondi que a nossa tarefa consistia em
criar condições para a expressão livre da vontade por parte dos habitantes da
Crimeia… Por isso, claro que, por detrás das forças de autodefesa da Crimeia,
estavam os nossos militares».
Nemtsov, baseando-se em fontes de informação
abertas, noutras confidenciais e em conversas com familiares de militares,
escreve que, no mínimo, 150 soldados russos morreram na batalha de Ilovaysk, em
Agosto de 2014, e cerca de 70 em Devaltsevo, no início de 2015.
Para que a Rússia não fosse acusada de ingerência
directa, os militares eram obrigados a pedir férias antes de serem enviados
para a frente dos combates. Os parentes dos 150 soldados mortos receberam uma
indemnização de 2 milhões de rublos (cerca de 34 mil euros) depois de assinarem
um documento onde garantiam guardar segredo sobre a causa da morte dos
soldados. Os dos restantes 70 nada receberam até agora.
Quanto aos custos da guerra para a Rússia, Serguei
Aleksachenko, antigo vice-presidente do Banco Central da Rússia e um dos
peritos que terminou o trabalho iniciado por Nemtsov, calculou que o país
gastou 53 mil milhões de rublos (pouco menos de mil milhões de euros) no apoio aos
separatistas pró-russos do Leste da Ucrânia em apenas dez meses; 80 mil
milhões de rublos (mais de mil milhões de euros) com os refugiados ucranianos
desde Julho de 2014 e 2 750 mil milhões de rublos (cerca de 40 mil milhões de
euros) na ajuda à Crimeia depois da anexação.
Escusado será dizer que as autoridades russas negam
a veracidade dos factos citados, mas não conseguiram ainda explicar porque é
que Boris Nemtsov foi abatido a tiro no centro de Moscovo.
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