Helena Matos,
Observador, 2 de Outubro de 2016
Criar ricos é muito mais fácil do que criar
riqueza. Basta alterar por decreto o valor do património que faz de cada um de
nós um rico. Não duvido que dentro de pouco tempo seremos todos ricos.
Os ricos são muito nossos amigos e muito úteis. Sem
os ricos não se pode governar porque são os ricos quem tem o dinheiro que os
governos dão aos pobrezinhos, aos remediados, à classe média e também aos ricos
seus amigos.
Os ricos têm, no banco, o dinheiro que permite
aumentar as pensões de miséria e são donos das casas que devem pagar mais
impostos para acabar com a privatização dos transportes e de caminho com as
obras no Palácio da Ajuda. Os ricos fazem muita falta. Temos até de construir
estufas para produzir mais ricos porque cada vez precisamos mais deles. Afinal
sem ricos não há dinheiro e sem dinheiro não há políticas para virar a página
da austeridade.
Se cada rico depois de pagar os seus impostos ainda
pagar mais dez euros para aumentar as pensões e mais dez para ficarmos com os
Mirós e mais dez para termos medicamentos nos hospitais e mais dez para os
artistas fazerem cultura e mais dez para que as florestas não morram e mais dez
para o direito à habitação e mais dez para que os carros sejam eléctricos e
mais dez para que aumente o número de professores sem turma e mais dez para que
o que for preciso, libertamo-nos de vez do problema da falta de crescimento da
economia. Basta ir buscar dinheiro aos ricos.
Tal como no passado possuir uma vaca afiançava a
sobrevivência do agricultor, agora ter um rico guardadinho só para si não no
estábulo mas na Autoridade Tributária garante a cada um de nós a manutenção dos
direitos atribuídos pelos nossos governos quando pensam em eleições. Os
governos que não são nossos amigos pretendiam que o dinheiro viria do investimento
e da economia. Mas depois deu-se esta revolução que tudo mudou: se cada um de
nós domesticar um rico tem garantida a sua sobrevivência e a libertação da
selva dos mercados. Claro que um rico dá para mais do que uma pessoa (desde que
o nosso concidadão José Sócrates não entre nesta aritmética!) mas é
precisamente para isso que existe o Governo: para repartir com justiça a
riqueza de cada rico.
A domesticação dos ricos é por isso o passo mais
importante nas nossas vidas desde a domesticação dos animais feita pelos nossos
antepassados. Obviamente que tal como no Neolítico os animais resistiam à
domesticação também os ricos nem sempre aceitam a mudança. Os mais difíceis de
domesticar são mesmo aqueles que se obstinam em dizer que não são ricos, que trabalham
e poupam… Enfim, arcaísmos! Importante, importante é saber a cada momento se
estamos diante de um muito rico, um rico ou apenas um bocadinho rico. Quem sabe
um dia teremos um ricómetro ou seja uma geringonça que no próprio instante
determina o nosso grau de riqueza!
Mas seja qual for o grau de riqueza, um rico que em
2016 em Portugal não mostra o que tem, é como uma vaca que no século passado,
depois de em vida ter dado leite, se recusasse, depois de morta, a dar a carne
para comermos, a pele para a indústria dos curtumes, os chifres para os pentes
e cabos de talheres sem esquecer os tendões que também serviam para qualquer
coisa que agora não me lembra mas que a dona Maria que regia a primeira e a
segunda classes garantia ser muito importante: «na vaca tudo se aproveita» –
dizia a dona Maria e nós, aprendizes das primeira letras, repetíamos-lhe a
lição com rigores de magarefe.
Felizmente que no novo tempo as criancinha só fazem
redacções sobre as vantagens do comércio justo da quinoa e as vacas passaram a
seres sencientes, a saber criaturas com os direitos dos humanos mas sem os seus
deveres nomeadamente os fiscais o que pode levar a que vários ricos, manhosos
como é seu hábito, invoquem sentir-se animais unicamente para não pagarem
taxas. A possibilidade de vermos aparecer transgender fiscais desde já deve
merecer a atenção do senhor Ralha «vale tudo para cobrar mais impostos» pois
não se vê como podendo uma pessoa mudar de sexo unicamente porque lhe apetece
não há-de passar de homem para cão quando lhe der fiscalmente na gana.
Mas continuando, a domesticação dos animais é hoje
uma recordação de um passado em que aos animais estava reservado um papel
submisso. Civilizados como somos agora só bebemos leite de soja – donde não nos
podemos esquecer de pedir mais dez euros aos ricos para que os produtores de
leite de vaca deixem o leite para os bezerros e também mais dez euros para
reconverter os produtores de carne de vaca em produtores de trevos de quatro
folhas para alimentar os animais salvos dos matadouros. Mais cedo ou mais tarde
teremos de pedir desculpa aos animais por todos os assados, costeletas e
guisados s em que os transformámos. Por todas as cargas que carregaram. Por
todos os campos que lavraram… E pensar que tanto sofrimento foi inútil! O
segredo da riqueza estava ali ao alcance da nossa mão. Bastava ter imaginação.
Bastava sonhar. Bastava ousar… Domesticam-se os ricos, dá-se um rico a cada cem
pobres (mais uma vez, não esquecer que José Sócrates não pode entrar nestas
contas porque elas ainda não contemplam fatinhos em Rodeo Drive) e está
resolvido o problema.
Àqueles desmancha-sonhos que se estão a perguntar
como resolver o problema da reposição de ricos para continuar a garantir que
nunca faltarão contas bancárias onde ir buscar o dinheiro para sustentar esta
nova economia, chamo a atenção que a reposição de stocks, ou se quisemos o
problemas das prateleiras vazias (de medicamentos ou de ricos é o mesmo) sempre
foi uma marca do socialismo e não foi por causa desse por assim dizer somenos
que o socialismo deixou de se apresentar como uma alternativa política válida e
para mais humanista. De qualquer modo essas angústias só assistem a quem ignora
as potencialidades do Diário da República. Afinal é mais fácil criar ricos do
que abastecer supermercados na Venezuela, garantir em Portugal material no SNS
até ao final deste ano e sobretudo é muito mais fácil criar ricos do que
riqueza. Basta alterar por decreto o valor do património que faz de cada um de
nós um rico. Não duvido que dentro de pouco tempo seremos ricos a partir dos
mil euros no banco.
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