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domingo, 3 de fevereiro de 2019

França e Alemanha: «Estamos comprometidos com a criação de um exército europeu»


A chanceler alemã Angela Merkel salientou recentemente que o novo pacto
entre a Alemanha e a França visa estabelecer uma «cultura militar comum» franco/alemã

 e «contribuir para a criação de um exército europeu.»
Foto: soldados da brigada franco/alemã, unidade militar criada em 1989,
consistindo em unidades conjuntas dos exércitos francês e alemão.
(Foto: Sean Gallup/Getty Images)

Soeren Kern, Gatestoneinstitute, 30 de Janeiro de 2019

Original em inglês: France and Germany: «We Are Committed to the Emergence of a European Army»

Tradução: Joseph Skilnik
  • «O populismo e o nacionalismo estão a avançar em todos os países europeus. Pela primeira vez, um país, a Grã-Bretanha, está a deixar a União Europeia. No mundo inteiro o multilateralismo está sob pressão...» – chanceler alemã Angela Merkel.
  • «Convergir em tão alto grau em relação à Alemanha é abdicar da soberania, uma traição. Se não tivéssemos alertado o povo, o texto teria sido assinado na calada da noite. O texto prevê, mormente, a necessidade de legislar caso haja obstáculos à cooperação franco/alemã... Não quero mais convergência com Berlim, seja em questões sociais ou de segurança, nem mesmo tratando-se de consultas estreitas no Conselho de Segurança da ONU.» — Marine Le Pen, no jornal Le Temps.
  • «Emmanuel Macron quer um grandioso debate com cidadãos que participam na vida pública do nosso país. Ao mesmo tempo, porém, o presidente da República negociou um tratado às escondidas, muito embora esse tratado diga respeito às condições essenciais para o exercício da nossa soberania nacional. Nem o povo francês, nem o Parlamento, nem o Conselho Constitucional foram consultados... Por inúmeras razões, este tratado passa por cima da nossa soberania nacional.» – Nicolas Dupont-Aignan, líder do partido Debout La France! (França, de Pé!!).
O presidente francês Emmanuel Macron e a chanceler alemã Angela Merkel assinaram um novo tratado de amizade franco/alemão que visa revigorar a União Europeia, atingida pelo rombo financeiro, migração em massa e o Brexit, bem como os inúmeros interesses e prioridades conflitantes entre os 28 estados membros.

A França e a Alemanha, autoproclamadas guardiãs da integração europeia, salientaram que o novo tratado é uma resposta à crescente influência de populistas na Áustria, Grã-Bretanha, França, Itália, Hungria, Polónia e outros países europeus que procuram aperfeiçoar ou até mesmo reverter a integração europeia, resgatar da União Europeia a soberania nacional e transferir os poderes agora nas suas mãos de volta às capitais de cada país.

O cabo de guerra no velho continente que ameaça dividir a União Europeia ao meio, de um lado os nacionalistas eurocépticos e do outro os globalistas «eurófilos», promete aquecer nas próximas semanas que antecedem as eleições para o Parlamento Europeu no final de Maio de 2019.

O «Tratado de Aachen» (Traité d'Aix-la-Chapelle; Vertrag von Aachen), assinado em 22 de Janeiro na cidade alemã de Aachen, consiste de 28 artigos organizados em sete capítulos, ambos os países se comprometem empreender estreita cooperação na esfera política. Os primeiros oito artigos, que abrangem a política bilateral externa e de defesa, bem como a União Europeia, são os itens mais ambiciosos e marcantes do tratado:
  • No Artigo 1.º os dois países assumem o compromisso de estreitar a cooperação no tocante à política europeia, «promovendo uma política externa e de segurança comum, forte e eficiente, reforçando e aprofundando a União Económica e Monetária».
  • No Artigo 2.º os dois países assumem o compromisso de «se consultarem regularmente em todos os níveis hierárquicos antes das mais importantes reuniões europeias, procurando estabelecer um denominador comum, alinhando os discursos dos seus ministros. Eles coordenarão a transposição do direito europeu para o direito nacional dos seus respectivos países.»
  • No Artigo 3.º ambos os países assumem o compromisso de «aprofundar a cooperação em relação à política externa, defesa, segurança interna e externa, desenvolvimento e simultaneamente não medir esforços no sentido de fortalecerem a capacidade autónoma de acção da Europa». Os dois países também se comprometem a «averiguar minuciosamente, em parceria, com a finalidade de definir posições comuns sobre qualquer decisão chave que afecte os interesses comuns e agir em conjunto em todas as situações cabíveis».
  • No Artigo 4.º os dois países assumem o compromisso de «convergir cada vez mais nos seus objectivos e políticas com respeito à segurança e defesa». Prestar assistência um ao outro sem medir esforços, fazendo uso de todos os meios disponíveis, como as forças armadas, em caso de ataques armados contra os seus territórios. «Eles também se comprometem a fortalecer a capacidade de acção da Europa e investir conjuntamente para suprir as necessidades funcionais, fortalecendo a União Europeia e a Aliança do Atlântico Norte. OTAN)» Pretendem promover a competitividade e a consolidação da base industrial e tecnológica da defesa europeia... apoiam a cooperação mais estreita possível dae suas indústrias de defesa fundamentadas na confiança mútua... ambos os países desenvolverão uma abordagem comum no que tange às exportações de armas com respeito a projectos conjuntos. Os dois países «estabelecerão o Conselho de Defesa e Segurança Franco/Alemão como o órgão político para administrar os compromissos de ambas as partes. O Conselho reunir-se-á regularmente ao mais alto nível hierárquico.»
  • No Artigo 5.º ambos os países assumem o compromisso de «expandir a cooperação entre os ministérios de relações exteriores, incluindo as suas missões diplomáticas e consulares», alinhar o posicionamento nas Nações Unidas e na OTAN.
  • No Artigo 6.º os dois países assumem o compromisso de «fortalecer ainda mais a cooperação bilateral na luta contra o terrorismo e o crime organizado, bem como a cooperação judicial e nas questões de inteligência e polícia».
  • No Artigo 7.º ambos os países assumem o compromisso de «estabelecer uma parceria ainda mais estreita entre a Europa e a África... com o objectivo de melhorar as perspectivas socio-económicas, sustentabilidade, boa governança, prevenção de conflitos, resolução de crises, especialmente no contexto da manutenção da paz e gestão de cenários problemáticos pós-conflitos».
  • No Artigo 8.º os dois países assumem o compromisso de «cooperar conjuntamente em todos os órgãos das Nações Unidas». Irão «alinhar as suas posições, o que será parte integrante de um esforço concentrado de ampla consulta entre os países membros da UE que fazem parte do Conselho de Segurança da ONU e de acordo com as posições e interesses da União Europeia». «Não medirão esforços para alcançar um posicionamento uníssono da União Europeia nos órgãos adequados das Nações Unidas». Os dois países também «se comprometem a continuar com os programas de reformas no Conselho de Segurança das Nações Unidas». A admissão da Alemanha como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas «é uma prioridade da diplomacia franco/alemã».
O restante do tratado promete uma cooperação bilateral mais estreita nas áreas da inteligência artificial, mudanças climáticas, questões fronteiriças, cultura, assuntos económicos, educação, energia, meio ambiente, saúde e desenvolvimento sustentável, entre outras coisas.

O discurso da chanceler Merkel em Aachen, lembrou que a cidade era o lar de Carlos Magno (742/814), que destacou como «pai da Europa». Salientou que o novo pacto visa estabelecer uma «cultura militar comum» franco/alemã e «contribuir para a criação de um exército europeu». Ainda destacou:

«O populismo e o nacionalismo estão a avançar em todos os países europeus. Pela primeira vez, um país, a Grã-Bretanha, está a deixar a União Europeia. Nos quatro cantos do planeta, o multilateralismo está sob pressão, seja na cooperação climática, no comércio mundial, na aceitação de instituições internacionais até mesmo nas Nações Unidas. Setenta e quatro anos, o ciclo de uma vida, após o término da Segunda Guerra Mundial, o que parecia ser o óbvio ululante é mais uma vez posto em dúvida.

«De modo que, em primeiro lugar, essa situação exige uma nova viga mestra no tocante à nossa responsabilidade dentro da União Europeia, a responsabilidade da Alemanha e da França nessa União Europeia. Em segundo lugar, requer uma redefinição de rumo da nossa cooperação. Em terceiro lugar, requer uma leitura comum do nosso papel no cenário internacional, o que poderá levar a uma acção conjunta. Por isso, em quarto lugar, há a necessidade de compartilhar similaridades entre os nossos dois povos, nas instituições, mas acima de tudo no quotidiano dos nossos povos, especialmente nas regiões fronteiriças...

«Assumimos o compromisso de desenvolver uma cultura militar comum, uma indústria de defesa comum e uma linha comum no tocante à exportação de armas. Queremos contribuir para o nascimento de um exército europeu».

Macron, também discursando em Aachen, destacou: «no momento em que a Europa é ameaçada pelo nacionalismo, que se está avolumando, a Alemanha e a França devem assumir as suas responsabilidades e mostrar o caminho a seguir». Disse que o acordo é um «momento importante» para mostrar que o relacionamento bilateral é «um baluarte capaz de se autorenovar... com o propósito de consolidar o projecto europeu». Macron defendeu a União Europeia como sendo um «escudo contra os tumultos no mundo».

O tratado, no entanto, é parco quanto a detalhes e pode acabar por ser mais simbólico do que concreto. Merkel e Macron estão a ver as suas autoridades em franco declínio e ainda não está claro se terão o capital político necessário para por em movimento a integração europeia. A Alemanha está agora de olho na era pós-Merkel, depois dela ter anunciado que se afastará do cargo de chanceler em 2021. Macron está às voltas com uma onda de protestos de alcance nacional que ainda pode derrubar o seu governo.

O tratado foi recebido com um misto de raiva e indiferença.

Em França, Marine Le Pen, líder do partido populista União Nacional (antiga Frente Nacional), salientou que o tratado solapa a soberania nacional, acusando Macron de «vender» a França para os alemães. Em entrevista concedida ao jornal Le Temps de Genebra sustentou:

«Convergir em tão alto grau em relação à Alemanha é abdicar da soberania, uma traição. Se não tivéssemos alertado o povo, o texto teria sido assinado na calada da noite. O texto prevê, mormente, a necessidade de legislar caso haja obstáculos à cooperação franco/alemã. A nação francesa é una e indivisível e a lei não pode ser aplicada de maneira diferente nas regiões que fazem fronteira com a Alemanha. Há a letra do tratado, mas também há o espírito do tratado. Não quero mais convergência com Berlim, seja em questões sociais ou de segurança, nem mesmo tratando-se de consultas estreitas no Conselho de Segurança da ONU. O assento permanente da França no Conselho de Segurança foi duramente conquistado durante a Segunda Guerra Mundial e tornou a França uma grande potência. Por isso em dúvida, seria deixar ir pelo ralo a conquista do general de Gaulle.»

Nicolas Dupont-Aignan, líder do partido soberanista Debout La France! (França, de Pé!) salientou:

«Em nenhuma circunstância esse tratado de amizade franco/alemão poderá vir a ser um pretexto para a submissão. No entanto, parece que é esse o caso.

«Primeiro, o método de concepção do tratado. Diante da crise democrática pela qual o nosso país está a passar, Emmanuel Macron quer um grandioso debate com cidadãos que participam na vida pública do nosso país. Ao mesmo tempo, porém, o presidente da República negociou um tratado às escondidas, muito embora esse tratado diga respeito às condições essenciais para o exercício da nossa soberania nacional. Nem o povo francês, nem o Parlamento, nem o Conselho Constitucional foram consultados.

«Segundo, o conteúdo do tratado. Em termos concretos, inúmeras estipulações do tratado visam compartilhar com a Alemanha os poderes soberanos e as prerrogativas da França. Com efeito, se a defesa mútua é parte integrante do tratado, então a França está a ceder à Alemanha as benesses do seu poderio militar, invejados nos quatro cantos da terra: (a quinta maior potência militar do mundo, dissuasão nuclear, etc.) (Artigo 4.º). A França proporciona à Alemanha acesso à sua rede diplomática, a terceira maior do mundo, atrás somente dos Estados Unidos e da China (Artigo 5.º). A França proporciona à Alemanha acesso indireto ao seu assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, coordenando as suas posições como também coordenando as suas decisões (artigo 8.º). A França quer que a Alemanha tenha um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, fazendo disso uma «prioridade» diplomática (artigo 8.º). Por inúmeras razões, este tratado passa por cima da nossa soberania nacional.

«E por fim, falta de reciprocidade. Enquanto a Alemanha leva vantagem em cima dos pontos fortes da França como potência mundial em diplomacia e defesa, a Alemanha não oferece nenhuma reciprocidade à altura.É por isso que o Tratado de Aix-la-Chapelle não é um acto de cooperação franco/alemão, mas de submissão da França à Alemanha.

«Na realidade, esse tratado, via de mão única, é um insulto ao relacionamento amigável que a França mantém com a Alemanha. Tendo em vista as concessões feitas pela França à Alemanha, sem contrapartida, o texto hoje assinado em Aix-la-Chapelle configura um verdadeiro acto de traição».

Na Alemanha, Alexander Gauland e Alice Weidel, líderes do partido populista Alternativa para a Alemanha (AfD), divulgaram uma nota:

«O Tratado de Aachen é um passo na direcção errada. Sob o pretexto da cooperação europeia, o tratado é o resultado do interesse francês de transferir e redistribuir o poder alemão, em detrimento dos contribuintes alemães. O tratado também criará uma relação especial franco/alemã que alienará a Alemanha frente aos demais países europeus.

«O porta-voz da AfD Alexander Gauland explica: o presidente francês Macron é incapaz de manter a ordem no seu próprio país. Os protestos em todo o território francês não vão parar nunca. Este presidente fraco está a impor visões para o futuro da Alemanha. A UE está agora seriamente dividida. Um relacionamento especial franco/alemão alienara-nos-á ainda mais em relação aos demais europeus. Isso torpedeia, ao pé da letra, aquelas ideias europeias que Merkel e Macron invocam de maneira tão calorosa. Parece que suspeitam que a UE, do jeito que está, se irá esfarelar.»

«A líder da AfD no Bundestag (parlamento da República Federal da Alemanha), Dra. Alice Weidel, destaca: esse tratado é uma submissão inaceitável de uma chanceler eleita diante de um presidente que passa por poucas e boas. Macron conseguiu o que queria: a Alemanha assumiu compromissos, por exemplo no primeiro artigo: fortalecer e intensificar a União Económica e Monetária, por outras palavras, financiar a transferência e a redistribuição de riqueza.»

«Macron promete acesso mais rápido e mais fácil ao dinheiro dos contribuintes alemães para poder continuar com a política inflacionária francesa e custearas  suas promessas eleitorais. Já apresentou planos concretos para tanto e recebeu muitos aplausos dos tradicionais partidos alemães.»

«A França também deverá ser a principal beneficiária da planejada cooperação intensificada das forças armadas que tem o propósito de realizar operações conjuntas e na consolidação da indústria de defesa europeia, que também está prevista no tratado. O Artigo 4.º do tratado abre as portas para novos e questionáveis envios de tropas para África e a venda suplementar da tecnologia alemã sob a égide das joint ventures dominadas pelos franceses.»

«Esses pontos de interesse da política francesa estão inseridos na deplorável afirmação do óbvio e de uma pletora de medidas simbólicas e bem intencionadas declarações de intenção. Fora aos europeus como um todo, de que maneira esse tratado também servirá aos interesses alemães, permanece um mistério. O acordo reforça a rusga com os estados membros da UE que não querem um 'Superestado Europeu' franco/alemão. O Tratado de Aachen é, portanto, não apenas supérfluo, mas também contraproducente».





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