João J. Brandão Ferreira Oficial Piloto Aviador
«De Formião, filósofo elegante,
vereis como Aníbal escarnecia,
quando das artes bélicas, diante
dele, com larga voz tratava e lia.
A disciplina militar prestante
não se aprende, Senhor, na fantasia,
sonhando, imaginando ou estudando,
senão vendo, tratando e
pelejando.»
Lusíadas, Canto X, 153
Numa semana em que se comemorou o 886.º aniversário do nascimento de Portugal – consideramos a data de 1128, 4/6 (Batalha de S. Mamede), por ser a independência «de facto», a que realmente interessa, pois só se reconhece o que já existe – é natural que escreva sobre o mesmo.1
Por enquanto a falta de tino político que se tem evidenciado em ritmo
alucinante, ainda mantém o dia 10 de Junho como feriado nacional. Mas se as
coisas continuarem por este caminho talvez não falte muito que o mesmo feriado
seja passado para o dia primeiro de Janeiro…2
Infelizmente a mola que me impulsionou a escrever não foram as boas
razões, mas razões que não seria suposto existirem.
Poderia discorrer sobre a secundarização que os próprios órgãos de
soberania, as autarquias e, sobretudo, os órgãos de comunicação social (OCS)
praticam quanto à data relativamente, por exemplo, ao «pontapé na bola», que
impera em todo o lado.
Dá ideia que a República vive no reino do futebol e que, só gostamos de
ser portugueses e de nos sentirmos patriotas quando a selecção joga – mesmo
quando o futebol em vez de ser um desporto de eleição, virou um negócio
monumental (com muitos casos de polícia pelo meio) e tudo se faz para forjar
naturalizações…
Poderia ainda referir que a maior manifestação de iniciativa da
sociedade civil existente no país, independente de qualquer apoio do Estado ou
de entidade política, não merece a atenção nem é considerada notícia, ou
objecto de reportagem, pela esmagadora maioria dos nossos libérrimos e
democratíssimos OCS.
Refiro-me à homenagem nacional aos combatentes portugueses, que se
realiza todos os anos, nos Jerónimos e junto ao monumento aos mortos do
Ultramar, em Pedrouços.
O facto de cerca de meia dezena de milhar de pessoas de todo o país, se
juntarem ordeiramente, sem reivindicarem nada, sem ofenderem ninguém, sem ódios
de espécie alguma, apenas para prestarem, respeitosa e sentidamente, as suas
homenagens a quem se sacrificou combatendo debaixo da Bandeira das Quinas, não
deixa de ser uma afirmação política e patriótica de Portugalidade.
Não é pois, inocentemente, que se faz silêncio sobre a mesma, mas uma
demonstração inequívoca de sentimentos e ideologias que atravessam a sociedade,
o que deveria ser objecto da mais profunda reflexão.
Mas o ponto que gostaríamos de salientar ocorreu durante as cerimónias
oficiais do Dia de Portugal – dia que, é bom recordar, chegou a ser proibido
nos tempos do «PREC», sendo durante anos uma cerimónia soporífera e das quais
as FA estiveram arredadas (escovadas?) durante mais de três décadas, sendo
recuperadas para as mesmas no 1.º ano do consulado do actual PR.
Ora quando o professor Cavaco Silva, na sua qualidade de PR – frisa-se –
iniciava o seu discurso frente a formatura de tropas, uma parte da assistência
começou a manifestar-se ruidosamente contra ele e contra o Governo. Protestos
que continuaram durante o incidente de saúde que acometeu o presidente.
Não está em causa o grau de simpatia política que cada um de nós possa
ter relativamente a qualquer órgão de soberania mas, que diabo há ocasiões,
formas e lugares, para tudo. E temos que nos saber comportar em cada uma delas,
sob pena de regredirmos à selva e às suas leis.
Estamos perante a cerimónia que é a mais importante do calendário
nacional – e, por definição, não pode haver outra; diante dos exércitos de
terra, mar e ar, que servem e defendem a Nação sendo, em simultâneo, o mais
poderoso instrumento do Estado; cerimónia que é presidida pelo mais alto
magistrado, o qual apesar de ser eleito por uma parte da população é suposto
todos representar.3
Cerimónia que é pública, à qual assiste a população que assim o entende
e que também tem o direito de não ser incomodada.
Ora o que aconteceu é que existem grupos de cidadãos que nada respeitam
e para os quais, pelos vistos, os fins justificam os meios.
Grupos de cidadãos, alguns dos quais identificados como simpatizantes de
organizações políticas, ou outras – que, no fundo, não passam de correias de
transmissão das primeiras – com responsáveis conhecidos, que depois não se
podem vir a desculpar ou a chorar lágrimas de crocodilo por eventos que,
entretanto, se deram.
Tais atitudes não configuram apenas hipocrisia política, entram no campo
da subversão.
Esteve bem o general CEMGFA na intervenção que fez. Mostrou coragem,
senso e presença de espírito.
Uma última reflexão.
Não chegámos a uma situação destas, que leva já muitos anos, por uma
espécie de osmose cósmica, tipo «chuva de radiações ultravioleta».
Tudo tem causas terrenas e comezinhas, de cuja responsabilidade atribuo
à generalidade da classe política – sem embargo das responsabilidades dos
militares consubstanciado no MFA/CR – 4, que, ao contrário de conseguirem
serenar os ânimos e disciplinar as hostes e organizar a sociedade, têm pejado o
éter de maus exemplos.
Em primeiro lugar pelo desrespeito e ataques aos órgãos de soberania; às
instituições nacionais – das quais a família é a primeira entre todas – e à
constante e acintosa prática, de falta de elevação no debate político.
Quase toda a prática política (desde 1975) – o exemplo vem de cima – tem
sido no sentido de «nivelar» por baixo, quebrando o sentido da hierarquia, sem
o que não há autoridade que resista; deformando-se conceitos fundamentais, como
foi, por ex., o de confundir «democracia» com cada um fazer o que quer;
liberdade, com libertinagem; liberdade de expressão com irresponsabilidade, e
muitas mais, que tiveram efeitos devastadores no comportamento das gentes.
Com especial relevo no seio da família, na escola, nas relações laborais
e na Justiça.5
Tudo isto passou para os OCS, enformados por um libérrimo enquadramento
jurídico, talvez ainda pior daquele que vigorou no fim da Monarquia
Constitucional e na 1.ª República, e que tanto contribuiu para a sua queda,
como para a justificação da «censura e exame prévio» que se lhes seguiu!
Inevitavelmente, tudo o atrás exposto teria, um dia, de se voltar contra
os seus fautores e, por isso, é que hoje em dia, ninguém tem respeito por
ninguém, nem por nada, e os governantes evitam sair à rua e andam guardados por
«pelotões» de seguranças.6
É preciso pôr ordem no beco.
E não se vislumbra horizonte para tal.
1 – Aliás, a independência não é um direito, mas
antes uma evidência, que tem que ser conquistada e mantida!…
2 – De 1986. Data da adesão de Portugal à CEE…
3 – Problema que não se coloca nas Monarquias.
4 – Movimento das Forças Armadas/ Conselho da
Revolução
5 – Lembram-se, por ex., dos Presidentes Mário
Soares e Sampaio a apelarem à indignação e a maltratarem agentes da autoridade?
6 – O «perigosíssimo»
Almirante Tomás tinha um agente da PSP à sua porta…
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