João José Brandão Ferreira, Oficial Piloto Aviador
A operação das forças militares americanas na Base Aérea
das Lajes há muito que merecia um livro.
Muito resumidamente foi assim:
A apetência dos EUA pelos Açores (e
Cabo Verde) recua à Guerra Hispano-Americana, de 1898, que marca o início do imperialismo «yankee» fora do
continente Americano, o que nunca mais parou até hoje.
Prolongou-se na I Guerra Mundial, com a ameaça submarina
alemã e a visita do futuro presidente Roosevelt (na altura subsecretário de
Estado da Marinha), em 1918, e firmou-se na II Guerra Mundial, por causa da
ameaça naval alemã – podia ter sido aero-naval caso a Alemanha tivesse
intentado e conseguido ocupar aquele arquipélago e também o da Madeira.
Mas quem, de facto, pensou ocupar os Açores –
considerados como uma fronteira avançada de defesa da América – foram os
próprios americanos, que chegaram a preparar uma invasão e ocupação do
território, em Jul/Ago de 1941 (Operação «Life Buey», comandada pelo Brig. Gen.
Holland Smith).
Acontece que o governo português da altura – estrénuo
defensor dos interesses portugueses – tinha reforçado os Açores com 25 000
homens e alguns meios aéreos e navais, dispondo-se a garantir a neutralidade
proclamada, mesmo com o uso da força.
Os Americanos fizeram um cálculo do risco e das baixas e
hesitaram.
Mais experientes do que os seus amigos do outro lado do
Atlântico, a diplomacia inglesa, valendo-se do especial relacionamento que tem
connosco, desde 1373, veio tentar acalmar os ânimos e negociar uma solução
adequada, até porque o governo português, num gesto habilíssimo, ameaçou
invocar a velha Aliança em caso de ataque americano…
Destas negociações que foram duras e demoradas resultou a
ida dos ingleses para as Lajes e, mais tarde, a dos americanos para Santa
Maria, com a condição de no fim da guerra saírem, deixarem-nos todas as
instalações, garantirem a soberania portuguesa em todos os territórios ultramarinos
e, ainda, a garantia que Timor Leste – ocupado pelos japoneses – voltaria para
Portugal e que forças portuguesas participariam na libertação do território.
Tudo foi cumprido.
Em 1948 (ano anterior ao estabelecimento da OTAN) os EUA solicitaram
facilidades de operação na Base Aérea 4 nas Lajes, o que foi concedido, até
hoje.
A Base das Lajes pertence à Força Aérea Portuguesa.
Deste modo estabeleceu-se um destacamento da Marinha dos
EUA – que operavam os aviões – outro da USAF – que operavam os meios de apoio
terrestre – e do Exército Americano - que operavam as lanchas e equipamento
portuário…
E como o governo de Lisboa, da altura, não brincava em
serviço e não deixava que estrangeiros nos ditassem leis, logo acordou com
Washington, um conjunto de condições que, além de não comprometerem minimamente
a soberania nacional, tornavam os EUA completamente devedores de Portugal, pois
não pagavam um dólar por lá estarem.
Tal facto devia-se a que a lógica política de então
defendia, por ex., que nenhum pedaço de território nacional podia ser alugado…
Foi criado um Comando Aéreo Português, cujo comandante
seria sempre mais antigo que o oficial americano mais graduado e, até, a
bandeira americana não estava autorizada (creio que ainda não está) a tocar o
solo Pátrio, ficando simbolicamente, assente num bloco de pedra para o efeito
concebido.
Marcello Caetano, que sucedeu a Salazar na chefia do governo, mudou a
postura portuguesa para com os EUA, relativamente às Lajes, negociando
contrapartidas materiais pela presença americana, o que se podia consubstanciar
em ajuda económica directa ao Arquipélago, melhoria das condições dos
trabalhadores portugueses e, sobretudo, em armamento e equipamento militar, de
que as Forças Armadas Portuguesas estavam muito carenciadas devido aos
conflitos ultramarinos iniciados em 1961.
Esta nova política acabou por não dar grandes frutos,
sofrendo Portugal uma espécie de «ultimato» encapotado, relativamente ao uso
indiscriminado da base, no socorro que Washington prestou a Israel na Guerra do
Yom Kipur, em 1973.
A importância dos Açores nunca diminuiu para os EUA
durante toda a «Guerra Fria», por causa do eventual reforço rápido da Europa,
da ameaça submarina soviética, além de ser ponto de apoio importante para
aviões em rota para o Médio Oriente.
Com a queda do «Muro de Berlim», em 1989, e a evolução
geopolítica daí decorrente; a melhoria dos armamentos e, ultimamente, a mudança
de prioridades de Washington para o Pacífico, a importância conjuntural da Base
das Lajes perdeu valor relativo para os americanos.
Daí a natural mudança do seu dispositivo.
Por isso é lógico que queiram reduzir a sua presença nas
Lajes (em 485 pessoas) mas, estamos em crer, jamais a Secretaria de Estado da
Defesa dos EUA, quererá sair de lá de vez…
É claro que esta redução vai constituir um duro golpe na
economia da Ilha Terceira e levar ao desemprego estimado de 500 trabalhadores
portugueses, cujo vínculo se procurava articular com as leis de trabalho
nacionais.
Mas temos de perceber que os Americanos não estão lá
pelos nossos lindos olhos e tratam de defender os seus interesses e não os
alheios.
Os Açores já tinham sofrido um duro golpe aquando da
saída dos franceses da base de rastreio de mísseis, que montaram na Ilha das
Flores, em 1993, sem que tivesse ocorrido o alarido de agora.[1]
Pacífica e gradual foi, também, a saída dos alemães da
base de Beja, em 1993.[2]
Por tudo isto não se entende o actual
«histerismo» de políticos e sobretudo do Governo Regional dos Açores, à volta
deste assunto, revelando uma grande falta de sentido de Estado e em nada
contribuindo para um bom desfecho do que está em curso e para as futuras
relações com os EUA.
A ameaça velada e pública, sobre a possibilidade da China
(ou outros) poder vir a operar no Arquipélago é, a todos os títulos,
deplorável.
Há coisas que se tratam na circunspecção das chancelarias
e não no ruído e demagogia da rua.
Um contracto é um vínculo de interesses comuns, entre
duas ou mais partes. Se uma das partes se quiser desvincular, só tem que o
fazer negociando tal desiderato em função do que estiver vertido no acordo.
Além do mais este é um assunto de Defesa e Segurança Nacionais,
tratado Estado a Estado e, por isso, o Governo Regional, deve-se remeter apenas
para as suas funções constitucionais.
Nós podemos, eventualmente, gostar mais ou menos da
presença americana nas Lages, mas a decisão da sua diminuição ultrapassa-nos. A
não ser que fossemos nós a querer impor essa redução.
Pode (e eventualmente deve) Lisboa mostrar as suas
preocupações; oferecer a sua hospitalidade; apresentar outras propostas de
relacionamento bilateral, etc., mas não pode exigir nada relativamente à
presença americana na Base, a não ser o que está estritamente acordado para o
efeito, e ficar com as decisões ora tomadas, em carteira.
A algaraviada de exigências propaladas pelos «media» não
passam de ruído ineficaz, apenas explicáveis pela eterna luta partidária.
Temos que estar atentos ao comportamento do FMI e do
Banco Mundial, onde os EUA pontificam, cuidar da nossa comunidade emigrante
naquele país e ter que ter especial cuidado com a atitude que os Americanos
irão assumir, na ONU, face à proposta de alargamento da Plataforma Continental,
apresentada por Portugal.
E, curiosamente, não vemos ninguém preocupado com a
exiguidade (sempre a diminuir…), de meios militares portugueses no (s)
Arquipélago (s) e na necessidade urgente de inverter a situação.
Requerem-se bom senso e clarividência política e estratégica.
Uma coisa – além do «saber» – anda, aliás, ligada à
outra.
__________________________________
[1] O anúncio da constituição da Base foi feito pelo MNE
Franco Nogueira, em 1964, tendo o acordo sido assinado, em 7 de Abril daquele
ano, e as suas instalações inauguradas em Outubro de 1966.
Sem comentários:
Enviar um comentário