João José Brandão
Ferreira, Tenente-Coronel Piloto Aviador
«A toupeira não pode ter do mundo a mesma visão da águia».
Séneca
A essência da Força
Aérea está intimamente ligada à sua missão, que sinteticamente se pode definir
como a da «Defesa do Espaço Aéreo Nacional e a Cooperação com as Forças
Terrestres e Navais».
É esta missão que vai
enformar toda a instrução do militar da Força Aérea, ser omnipresente na sua
actuação e guiar todas as suas sinergias.
Pode inclusive, requerer
o sacrifício de todo o seu ser.
A Força Aérea é um Ramo
das Forças Armadas por isso a base de toda a sua formação e estrutura, é
militar.
É, outrossim, uma
instituição, quer dizer uma cousa estabelecida; uma estrutura de ordem social
que regula o comportamento de um conjunto de indivíduos dentro de uma
determinada comunidade; tem uma função que transcende os seus membros e as
intenções, mediando as regras do comportamento.
A formação militar é
transversal a todas as especialidades e é o esteio onde tudo se apoia, de onde
tudo deriva.
A «condição militar»,
caracteriza e condiciona pois, toda a postura dos servidores da Força Aérea.
Servir é, deste modo, a
medida referencial de quem ingressa na Instituição Força Aérea.
Deste modo, quem vem,
não deve vir procurar um emprego, mas sim assumir os valores, o modo de
funcionamento e as implicações das missões que irá ajudar a cumprir.
Tem que interiorizar
toda a instituição e assumir como seus, os objectivos desta.
Tem de «Ser» da Força
Aérea, e não apenas «estar» na Força Aérea.
Ora tal não se compadece
com o querer apenas exercer uma profissão (do latim «professio»), isto é um
trabalho especializado, uma ocupação produtiva, pela qual se recebe uma
retribuição económica.
Coaduna-se sim, com uma
vocação e na manutenção do ideal dessa vocação (do latim «vocare») e que
podemos definir como uma tendência ou inclinação natural que direcciona alguém
para uma profissão específica; quiçá um chamamento, que pode ter uma dimensão
espiritual, algo que fazemos com amor…
Por isso se pode
perceber que ser militar da Força Aérea não é, não pode ser, o mesmo que ter um
emprego, no sentido de ter uma ocupação mais ou menos temporária, pela qual se
é remunerado.
E também conheci muitos
civis que tendo um estatuto e uma formação diferenciados, bem se pode dizer que
serviram a Força Aérea com alma e coração.
*****
Sendo a Força Aérea um
dos Ramos das Forças Armadas está porém, enformada pelo meio onde opera – a
atmosfera, desde a crosta terrestre até à troposfera – e da maneira como o faz.
Operando e combatendo no
Ar, os meios da Força Aérea estão todavia, umbilicalmente ligados à superfície
terrestre, onde estão localizadas as suas infraestruturas permanentes ou
eventuais.
A Força Aérea está
habituada a utilizar tecnologia avançada, que é suportada por uma doutrina e
personalizada numa táctica e numa logística, tudo envolvido por um conjunto de
tradições sedimentadas por uma já centenária experiência.
Este «uso do tempo»
criou um «espírito aeronáutico» próprio.
De todo este cadinho
resulta um especial modo de ser e de estar e uma forma específica de comandar,
que é onde reside o fulcro de toda a actividade desenvolvida.
Deste modo a Força Aérea
é o pilar mais importante do Poder Aéreo Nacional, cuja componente primordial é
a sua capacidade letal. Isto é, a de causar danos e destruição a um hipotético
inimigo.
Como sói dizer-se uma
Força Aérea sem munições é apenas um aeroclube muito dispendioso…
Tal implica que os
militares da Força Aérea estejam aptos e dispostos a matar e a morrer quando o
cumprimento da missão o possa exigir.
Missão que está firmada
e salvaguardada, no Direito e na Ética.
Missão que visa um
objectivo que os ultrapassa e está para além deles: a defesa da Independência e
Soberania de Portugal, a Integridade do Território e a Segurança da sua
População, de qualquer ameaça que possa colocar em causa tal desiderato.
Nem mais nem menos do
que o objectivo histórico permanente e fundamental do Estado e da Nação
Portuguesa, desde a sua fundação.
Ora não se cumpre tal
desiderato com simples «empregados, trabalhadores, ou colaboradores», muito
menos com mercenários.
Carece de gente
moralizada, instruída, corajosa e limpa. Exige vocação…
Compreendemos que nem
todos os que se alistam possam ter esta vocação – que é sobretudo necessária
nos seus quadros permanentes – mas o «ar que se respira» deve de tal modo
apelar aos valores vocacionais que tal ambiente irá formatar rapidamente quem
se apresente pela primeira vez à porta de armas.
As «deficiências» na
vocação devem, então, ser minoradas pelo profissionalismo.
Devendo ter-se sempre em
conta que a vocação pode desenvolver-se no seio das fileiras, ou perder-se…
E o que somos também
deve emanar para o exterior.
A citação de parte do
relatório da viagem aérea a Macau, do Capitão Brito Pais, ilustra bem tudo o
que dissemos:
«Chamei Manuel Gouveia
em Tripoli e disse-lhe:[1]
— Você sabe, Gouveia,
que vamos cruzar uma região perigosíssima e o voo é longo, cerca de 1 000 Km.
Os perigos vão multiplicar-se, se formos obrigados a aterrar, a morte é certa.
No deserto ou morremos de fome, se não encontrarmos ninguém, ou morremos
decapitados se alguém nos vir. No mar, tão deserto como o deserto, se procuramos
refúgio, a morte é certa também. Se você quer, vá para o Cairo num navio, nós o
esperaremos aí.
Gouveia olhou para mim
zangado e, um pouco malcriadamente – porque não o direi? – respondeu-me apenas:
— O meu comandante
parece que não me conhece. Eu sou do Porto, da gente que deu nome a Portugal –
Bolas! Se é preciso morrer, morre-se».
*****
Felizmente a Força Aérea
e as suas antecessoras, Arma da Aeronáutica Militar e Serviço de Aviação Naval,
foram servidos por muitos como Manuel Gouveia, durante a sua já vetusta
História, que nunca deslustrou o País.
E não poucos concorreram
com o seu generoso sangue para a lista daqueles «em quem poder não teve a morte».
Foi nessa senda que a
Força Aérea foi criada, existiu e existe, nunca deixando até ao limite das suas
capacidades, de cumprir com as suas complexas e sempre arriscadas missões.
E caso a nossa Padroeira
– Nossa Senhora do Ar – e o patriotismo dos portugueses, assim quiserem e
permitirem, continuará a existir e a cumprir, no futuro.
Como o seu lema «Ex Mero
Motu», determina e subjaz, até hoje: Por Mérito Próprio!
[1] O então sargento mecânico Manuel Gouveia, grande pioneiro do Ar, mais
tarde promovido a Tenente e hoje da classe de Sargentos da Força Aérea.