BLOGUE DA ALA DOS ANTIGOS COMBATENTES DA MILÍCIA DE SÃO MIGUEL

segunda-feira, 23 de maio de 2016


Apelo sobre a Justiça em relação

ao caso Brandão Ferreira vs Manuel Alegre

e os comentários de um combatente

e de uma poetisa


À consideração de Sua Ex.ª o Presidente da República:

Justiça estranha em Portugal
Caso Brandão Ferreira versus Manuel Alegre

Juntam-se quatro anexos, sendo todos referentes a um caso da queixa de Manuel Alegre contra o tenente-coronel Brandão Ferreira. Depois do julgamento e do recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, este publicou um acórdão em que se confirma a sentença da 1.ª instância, com absolvição deste militar (Anexo I). Salienta-se que no final é assinado em 26-02-2015, pelo juiz desembargador Dr. Carlos Benido, posteriormente jubilado.

A revista «Sábado» de 03-03-2015, deu o destaque ao sucedido. (Anexo II)

Mais de um ano depois, nesta 2.ª quinzena de Maio de 2016, surge uma notícia no «Público» de 17-05-2016, assinada pela jornalista Natália Faria (Anexo III), onde dois outros juízes tomam a decisão oposta à primeira.

O comentador Teixeira da Mota nesta data (20-05-2016), publica no «Público» um artigo de opinião onde avança com o ocorrido, dizendo que a decisão e a fundamentação dos dois últimos juízes é absurda e muito difícil de se perceber! (Anexo IV).

Quanto ao sucedido neste Tribunal apenas o caracterizo como inaceitável e inadmissível, sendo tal elucidado pelos referidos anexos.

Em relação à escrita da jornalista Natália Faria, considero feita com falta de ética profissional, pois em relação a um oficial que tem colaborado com o jornal era no mínimo exigível que fosse ouvido sobre a mesma. E que não fosse praticada a técnica da omissão para beneficiar Manuel Alegre perante a opinião pública. Como «salta à vista», para esta jornalista, o primeiro acórdão do Tribunal da Relação não existiu! E dois dias depois, o «Correio da Manhã» (19-05-2016) «embarca» nesta notícia com um texto intitulado «Jornalista absolvido e militar condenado».

Também convém lembrar que não se pode rotular alguém de ex-militar, pois quem entra para o quadro das Forças Armadas, normalmente apenas sai com a sua morte. O tenente-coronel Brandão Ferreira depois de sair do serviço activo, passa (passou) para a situação de reserva e finalmente de reforma, continuando sempre a ser militar. Isto sucede na maioria dos países civilizados. Na internet circula um vídeo com a significativa cerimónia que se realiza nos EUA, no falecimento de um militar.

Na qualidade de militar que prestou serviço cerca de uma dezena de anos nos ex-tribunais militares de Lisboa (Promotor de Justiça, e juiz vogal e presidente) apelo a sua Excelência o Presidente da República, desta maneira pública, para que nas suas funções de Comandante Supremo das Forças Armadas consiga normalizar tal incrível situação, de acordo com a Lei, e a sua conclusão seja feita de forma célere e naturalmente efectivada no Supremo Tribunal de Justiça.

20-05-2016Coronel (Ref.) 
Manuel Bernardo


Caríssimo:

Concordo plenamente não só com a exposição, como com toda a fundamentação com que, como sempre bem, sustentou a defesa da condição militar do Exm.º Senhor tenente-coronel Brandão Ferreira que não poderá nunca permitir a capciosa denominação de ex, esta passível de indiciar quem desrespeitando ou deslustrando a Instituição Militar incorreu em situação que levou à sua expulsão da mesma.

Concordo ainda com a nítida falta de ética da dita jornalista que se presta a escrever uma peça pouco sustentada não se dando ao cuidado e à obrigação deontológica – de ouvir um colaborador do órgão de informação em que ambos escrevem.

Quanto ao passado de ambos os opositores nesta questão – o Exmº Senhor tenente-coronel na situação de reforma Brandão Ferreira e Manuel Alegre, o passado de ambos e as atitudes praticadas pelo segundo nos idos anos das Guerras do Ultramar, em que os homens da nossa geração cumpriram serviço, recordados pelo primeiro em anos recentes, são para mim claros e suficientemente gravosos para merecerem o repúdio daqueles que lutaram pela Pátria, sem pensar nos seus interesses, nas suas ambições, ou nas suas certas ou erradas opções políticas.

Daqueles que se limitaram humildemente a Servir a Pátria pensando nela antes de pensarem – ou afirmarem que pensaram – mudar-lhe as formas de governo. Certamente por terem compreendido que, nas encruzilhadas históricas em que os interesses mundiais dos novos impérios em formação põem em risco as Pátrias, o primeiro dever dos seus cidadãos é defendê-las em vez de atacarem os respectivos governos, sobretudo quando se dispõem a fazê-lo colaborando com os inimigos que as atacam e colocando, com essas acções, em risco os seus compatriotas.

A designação dada a quem tal faz – ajudar os inimigos duma Nação ou de um Estado a combater ou levar à morte os cidadãos dessa Nação e desse Estado, neste caso os Portugueses – sempre foi a de traidores. É assim em todo o mundo. Foi sempre assim ao longo dos séculos e dos milénios.

Se os enquadramentos jurídicos alterados ao sabor dos tempos, dos interesses e da vontade de grupos de intervenientes se despirem das fundadas acusações para se vestirem de pseudo heróis, lhes permite esse «travestimento», ou se se divide em tão díspares decisões que permite a desonestos manobradores das letras impressas vestirem-nos de vítimas e de pseudo santos idolatrados, é uma circunstância triste.

Circunstância que, no entanto, nunca poderá limpar, ou apagar, as miseráveis atitudes dos que decidem por esta ou aquela razão juntarem-se aos que combatem os seus compatriotas.

Subscreverei em qualquer altura que entenda qualquer texto em que, repito, bem como sempre, decida defender a Honra e a Dignidade do Exm.º Senhor tenente-coronel Brandão Ferreira, como a de todos aqueles que lutaram por Portugal contra aqueles que o atacavam.

Estarei sempre ao seu lado na sua preocupada e constante vontade de que se defenda a Justiça que os que serviram a Pátria merecem em vez de permitir o injusto e indigno relaxamento cívico que permite que sejam desvalorizados, atacados ou condenados.

Um grande abraço do
João Alarcão





domingo, 15 de maio de 2016


E o Bloco de Esquerda ainda não comentou

a «offshore» do Varoufakis...



Um senhor que, depois de conduzir a Grécia ao 3.° resgate, cobra 50 mil euros por palestra e coloca-os em offshores?

O «The Times» lançou esta notícia : «Varoufakis ‘funnels thousands to offshore bank account’».

As ESGANIÇADAS ficaram caladas e tal como toda a esquerda Varoufakis tem «boa imprensa». Foi abafada a reportagem em que se denunciava que a esperança dos pobres, o líder da oposição ao pagamento das dívidas o guerreiro do assalto fiscal, cobra 60 000 € por conferência que dá em «prol dos desfavorecidos» e os pagamentos vão para uma conta bancária no HSBC, gerida pelo departamento offshore da London Speaker Bureau.

O ESGANIÇADO continua a ler a cartilha do «marxismo libertário», depois de ser o ministro das Finanças cujas políticas afundaram a Grécia, ameaçou os gregos que tinham o dinheiro não declarado, rendimentos escondidos, colocou-se na vanguarda do proletariado, ao lado dos camaradas, da distribuição de riqueza «mais justa» na sociedade e o fim da desigualdade.





quarta-feira, 11 de maio de 2016


O mistério dos camiões do São Carlos


Devia ter sido feito em segredo e pela calada da noite, mas o desvio de centenas de quilos de documentos da PIDE/DGS, no auge do Verão Quente de 1975, foi testemunhado pelo próprio comandante da PSP de Lisboa



José Pedro CastanheiraExpresso, 16 de Abril de 2016

Foi numa noite do Verão Quente de 1975 em que havia Conselho da Revolução. O comandante da PSP de Lisboa estava a comer no restaurante Belcanto quando um dos donos o alertou. No Largo de São Carlos, ao pé da ópera, estavam estacionados dois camiões da Armada, para onde um grupo de marinheiros ia transportando caixotes trazidos, escadas abaixo, das ruas vizinhas. Seriamente intrigado, o tenente-coronel José Aparício mandou dois dos seus homens investigar. Os volumes vinham da antiga sede da PIDE/DGS, a polícia política da ditadura, na Rua António Maria Cardoso. Assim que os camiões se puseram em marcha, foram seguidos por dois subchefes da PSP numa viatura à paisana. Quando regressaram ao Comando da Rua Capelo, os graduados contaram que os camiões foram directamente para o aeródromo militar de Figo Maduro, contíguo ao aeroporto da Portela, tendo transferido a mercadoria para um aparelho da Aeroflot, a companhia de aviação da União Soviética.

Testemunha. O coronel José Alberto Aparício, de 79 anos,
junto à antiga sede da PIDE/DGS (hoje, um condomínio de luxo)
Foi o antigo general do KGB Oleg Kalugin quem, em 1994, confirmou nas suas memórias o que há muito se suspeitava: o desvio de inúmera documentação da PIDE/DGS para Moscovo. Mais tarde, esta operação foi documentada de forma insofismável por Vasili Mitrokhin, ex-arquivista-chefe de um dos principais departamentos dos serviços secretos soviéticos. O Expresso, através do seu correspondente em Londres, Paulo Anunciação, teve acesso ao famoso arquivo Mitrokhin, que se encontra depositado na Universidade de Cambridge, onde o antigo alto funcionário do KGB pormenoriza parte do conteúdo do acervo documental desviado para a então União Soviética, num total de 474 quilos.

Não sendo capaz de datar de forma rigorosa a operação que testemunhou, o comandante distrital da PSP de Lisboa da altura, tenente-coronel José Aparício, garante ao Expresso que «foi no Verão de 1975, muito provavelmente no tempo dos governos de Vasco Gonçalves. Fiz um relatório para o Comando-Geral da PSP. Durante muitos anos guardei uma cópia desse e de outros documentos, mas que decidi destruir. Hoje, tenho pena...»

Nomeado por Costa Gomes na Assembleia do 11 de Março

José Aparício fora nomeado comandante da PSP de Lisboa logo a seguir ao 11 de Março de 1975, na sequência do malogro do golpe de Estado liderado pelo ex-Presidente da República, general António de Spínola. O oficial já estivera em comissão de serviço na PSP antes do 25 de Abril. «A primeira vez que estive na PSP foi em 1969, era capitão, num intervalo entre duas comissões» em África. A última fora na Guiné, e seguir-se-ia mais uma, em Moçambique, de onde regressou, já major, em finais de 1973. Voltou para a PSP uma semana antes do golpe dos capitães. «Estava colocado no Regimento de Infantaria N.º 10, em Aveiro. Convidaram-me para ir de novo para a PSP de Lisboa e aceitei.»

O Comando da PSP na capital estava instalado na Rua Capelo, paredes meias com o Governo Civil de Lisboa — no espaço onde foi recentemente instalado o Museu da Polícia de Segurança Pública. No 25 de Abril de 1974, o comandante era o coronel Pedro Barcelos. «Era um homem do curso do Spínola, que também estivera na guerra civil de Espanha, mas que se portou muito bem.» O major Aparício era o oficial de operações. Consumado e vitorioso o golpe dos capitães, Spínola, o novo Presidente da República, colocou à frente da PSP de Lisboa um dos seus homens de confiança, o major Casanova Ferreira, que manteve Aparício no mesmo cargo. «O Casanova não deixou que houvesse um único saneamento político na PSP.»


Envolvido no golpe spinolista de 11 de Março de 1975, Casanova Ferreira foi de imediato destituído. «Nessa noite, eu estava como habitualmente no Comando, quando fui chamado pelo general Costa Gomes.» O então Presidente da República estava no Instituto de Sociologia Militar, na Calçada das Necessidades — actual Instituto da Defesa Nacional —, onde dirigia a Assembleia do MFA. Uma reunião que passaria para a história como a «assembleia selvagem», onde foi decretada a nacionalização da banca e dos seguros e recusada a pena de morte contra os golpistas.

Aparício não estranhou o pedido de Costa Gomes. «Conhecia-o bem. Durante o período revolucionário, dava-nos muitas vezes ordens directas, passando por cima do ministro da Administração Interna, que tinha a tutela da PSP, e do próprio primeiro-ministro.» Nessa mesma noite, num intervalo da Assembleia, Costa Gomes comunicou a Aparício que seria nomeado novo comandante da PSP de Lisboa. Dependia hierarquicamente do general Pinto Ferreira, o comandante-geral da GNR, que passara a acumular com a PSP. Além disso, «passei também a despachar com o COPCON para as questões de ordem pública». Espécie de braço armado da revolução, o Comando Operacional do Continente (COPCON) era chefiado pelo general Otelo Saraiva de Carvalho. «Ia regularmente aos briefings do COPCON, no forte do Alto do Duque, com o Otelo.» Pouco depois, foi promovido a tenente-coronel.

Em 1975 frequentou um curso intensivo em Inglaterra. «Foi o general Pedro Cardoso, que era o ‘patrão’ das informações militares no EMGFA, que me mandou. Éramos quatro, entre os quais o major Cuco Rosa, da Polícia Militar. Os britânicos ajudaram-nos muito a aprender a lidar com manifestações e situações de violência urbana.» Do seu currículo na PSP constam ainda vários cursos nos EUA, França e Israel.

Inspirado na experiência britânica, «passámos a reunir em joint committees: nós, a PJ de Lisboa, a GNR, a Guarda Fiscal, os serviços de informações e os bombeiros. As reuniões eram normalmente no meu Comando ou na PJ, na Gomes Freire. Éramos mais ou menos dez, mas operacionais, não políticos. Havia uma partilha permanente de informação, de tal modo que eu sabia quase tudo o que se passava em Lisboa.» A cooperação entre os serviços era a palavra de ordem. «Só depois é que começaram a construir muros entre as várias quintas...» À sua disposição, a PSP de Lisboa possuía uma rede de rádios portáteis Motorola, «com pagers para nos chamarmos uns aos outros». O material havia sido adquirido «antes do 25 de Abril, mas ainda estava em fase experimental».

Durante o Verão Quente de 1975, «sempre que havia reuniões do Conselho da Revolução, a gente não saía do Comando». Principal órgão do poder político e militar, o Conselho da Revolução tinha reuniões com desfecho imprevisível. Prolongavam-se muitas vezes pela noite fora, não raro até ao nascer do sol. Havia decisões tomadas na hora, a que havia que dar cumprimento imediato — e a PSP, tal como o COPCON, tinha de estar disponível. «Ao lado do meu gabinete tinha um quarto com uma cama. Dormi ali muitas noites. E não era só eu: também os comandantes de Divisão, responsáveis por várias zonas da cidade, quase todos eles oficiais do meu curso.»

«Conheci muitos dos agentes do KGB»

Uma vez que a messe da polícia encerrava depois do jantar, durante a noite, «quando era preciso, íamos comer ao Belcanto, que passou a ser uma espécie de cantina». Um dos restaurantes mais afamados do Chiado — hoje dirigido pelo chefe José Avillez —, a uma trintena de metros da PSP, o Belcanto tinha uma freguesia muito variada. Desde meninas que se dedicavam ao engate até melómanos e amantes de ópera, que ali ceavam nas noites de récita no Teatro de São Carlos, passando por políticos, homens de negócios e — nos anos efervescentes de 1974 e 1975 — pessoal dos serviços de espionagem que se haviam instalado em Lisboa. «A fina-flor dos serviços secretos estrangeiros estava em Lisboa. Sabíamos que muitos deles ficavam no Hotel Tivoli.»

Caos 1. Militares da Marinha (e Exército) fazem guarda à sede nacional da PIDE/DGS,
na Rua António Maria Cardoso, após a tomada do edifício, a 26 de Abril
Aparício conhecia alguns. «Vi o Jacques Foccart no Belcanto mais de uma vez, logo a seguir ao 25 de Abril.» Foccart era um dos responsáveis dos serviços franceses de informação, muito atento a tudo quanto se passava em África, incluindo a lusófona... “Veio ver quem mandava nisto. Foi trazido pelo genro do Jorge Jardim, o comandante Themes de Oliveira, que eu conhecia muitíssimo bem.» O Belcanto era (e é) servido por duas portas, uma que dá para a Rua Anchieta, enquanto a principal está virada para o Largo de São Carlos. «O Foccart nunca entrava e saía pela mesma porta. E sei que o Marenches também lá foi — mas esse não o cheguei a ver pessoalmente.» Director do SDECE, os serviços secretos franceses, o famoso conde Alexandre de Marenches fora quem, na manhã de 25 de Abril de 1974, ao receber em Paris o subdiretor-geral da DGS, Barbieiri Cardoso, o informara de que estava a decorrer um golpe militar em... Lisboa.

«Pelo Belcanto passava sobretudo gente dos serviços ocidentais. Pelo menos que eu soubesse.» Aparício, no entanto, também conhecia os soviéticos — desconfiando desde sempre que pertenciam ao KGB, o que o arquivo Mitrokhin viria a confirmar. «Conheci muitos dos nomes referidos no Expresso. Encontrava-os muitas vezes nas recepções das embaixadas. O Semenychev era o mais relevante: era o primeiro-secretário da embaixada, mais importante do que o próprio embaixador. Era um prazer conversar com ele: um tipo muito culto e inteligente. Tentou convencer-me a aprender russo para melhor poder ler autores como Tolstói e Dostoiévski... Foi um dos ‘diplomatas’ russos expulsos em 1981 pelo governo de Sá Carneiro... Outros dois que também conhecia eram o Boris Kesarev, chefe da delegação comercial, e o correspondente do jornal ‘Izvestia’, Viktor Nesterov.»

Caos 2. Um jornalista britânico consulta diversa documentação numa sala
O Belcanto fora fundado, como muitos outros dos melhores restaurantes de Lisboa, por galegos, e não havia praticamente um dia em que Aparício não fosse lá. «Nem que fosse para tomar um café, que é talvez o meu maior vício. Ainda hoje sou capaz de beber uma dúzia de bicas por dia, mas na altura chegava às vinte...» Frequentador habitual, «conhecia todos os sócios e empregados. Informaram-me e avisaram-me de muita coisa que se passava na cidade...»

«Chamei dois subchefes muito batidos e mandei-os seguir os camiões»

Numa das muitas noites em que havia Conselho da Revolução, José Aparício foi como de costume ao Belcanto. «Seriam umas onze e meia, estava a comer qualquer coisa, quando o Aurélio, que era um dos sócios, veio ter comigo: ‘Venha ali ver uma coisa’, disse com ar misterioso. E levou-me para o exterior.» O Teatro de São Carlos estava encerrado e no Largo não havia quase vivalma. A não ser dois camiões com a traseira encostada ao muro fronteiro, de onde se desce pelas escadas que fazem a ligação à Rua Paiva de Andrada. Aparício apurou o olhar e percebeu de imediato que eram dois camiões militares de carga, de caixa fechada de lona. As matrículas eram da Marinha, facilmente identificáveis por começarem pelas letras «AP», de Armada Portuguesa. Em redor, o movimento era intenso, com marinheiros a descerem as escadas com caixotes nos braços, que depositavam no interior dos camiões. «Pareciam dois grupos, num total de uma dezena de marinheiros — ou pelo menos fardados de marinheiros —, aparentemente comandados por um sargento.»

Caos 3. Os responsáveis da polícia política deixaram deliberadamente
os papéis de forma caótica e desorganizada
Não tendo competência para intervir em situações envolvendo a Marinha ou qualquer outro ramo das Forças Armadas — só a Polícia Militar o poderia fazer —, mesmo assim Aparício tratou de averiguar o que se passava. Atravessou a Rua Capelo e entrou no Comando da PSP. «Chamei os dois primeiros homens que encontrei. Estavam à paisana, eram da Secção de Justiça, e mandei-os ver o que se passava, donde vinham aqueles marinheiros e o que transportavam. Eles subiram ao Largo do Chiado, entraram discretamente pela Rua António Maria Cardoso, foram andando até à sede da PIDE/DGS e vieram ter comigo ao Comando.» Era do interior das instalações da extinta polícia política da ditadura que estava a sair a misteriosa mercadoria, que os marinheiros transportavam pela António Maria Cardoso; passado o Teatro São Luiz, viravam à direita na Travessa dos Teatros, seguiam à esquerda pela Paiva de Andrada e, em frente do night club Nina (que não deixava de fazer concorrência às meninas do Belcanto), desciam as escadas que conduzem ao Largo de São Carlos, onde acondicionavam as caixas nos camiões.

Caos 4. Parte do armamento encontrado no interior ainda foi utilizado
pelos «pides», que dispararam sobre civis, fazendo cinco mortos
Tudo aquilo pareceu muito estranho ao comandante da PSP. Interrogando-se sobre o que estaria a ser retirado da sede da PIDE — documentação?, armas e munições?, o que mais poderia ser? —, quis saber o seu destino. «Chamei dois subchefes muito batidos, da velha guarda, e mandei-os ver para onde iam os camiões. Lembro-me de que um era o Silva, o tipo mais eficaz que eu já conheci, sempre disponível, que me resolveu várias encrencas. Morava na Rua Conde de Almoster, em Benfica, numas casas da PSP que por lá havia.»

Os dois subchefes meteram-se num carro da PSP sem qualquer identificação e foram atrás dos dois misteriosos camiões. «Seguiram-nos de forma discreta até ao aeródromo militar de Figo Maduro», contíguo ao aeroporto da Portela. «Os camiões entraram sem qualquer dificuldade, em direcção a um avião da Aeroflot», a companhia aérea da União Soviética, para cujo interior se fez a mudança dos caixotes.

Um «Relatório Imediato» para o Comando-Geral da PSP

De regresso ao Chiado, os dois subchefes fizeram um relato ao comandante, que, por sua vez, redigiu um «Relatório Imediato». «Era uma informação elementar, própria daquele tipo de relatórios. Seriam umas dez linhas, quase telegráficas.» Como era norma, afiança o agora coronel, «o relatório foi enviado para o Comando-Geral da PSP, e decerto que também para o COPCON. Além disso, falei no caso a vários camaradas de armas, incluindo alguns amigos meus que pertenciam ao Conselho da Revolução. Lembro-me de também ter falado ao general Galvão de Melo, porque tinha sido o primeiro responsável da Junta de Salvação Nacional pela Comissão de Extinção da PIDE/DGS. Mas ninguém ligou nada a isto».

Numa investigação sumária, a PSP procurou identificar e localizar os camiões a partir das matrículas da Armada. «Pedi aos meus serviços que os descobrissem, mas nenhuma das matrículas existia.» Ou seja, «eram falsas». Anos mais tarde, «pedi a alguns camaradas da Marinha para tentarem saber o que se passara, mas nunca conseguiram apurar nada».

Caos 5. Na delegação do Porto, um grupo de civis (entre os quais jornalistas) consulta
os muitos milhares de fichas feitas e guardadas pela PIDE/DGS
Aparício reconhece que cometeu «dois erros». «Todos os aviões têm uma identificação, mas não tomámos nota da matrícula do aparelho. Não o pedi aos meus homens, e eles não o fizeram. Esse foi o primeiro erro. O segundo é que podia ter pedido, mais tarde, o plano de voo. Porque não há aparelho que saia de um aeródromo que não tenha de comunicar o plano de voo, onde está incluído o respectivo destino. Não me lembrei de o fazer, de maneira que fiquei sem saber para onde voou: se para Berlim, se para Moscovo, se para outra cidade qualquer.» Ser-lhe-ia muito fácil obter o plano de voo. «Na altura, era membro por inerência de uma comissão de segurança aeroportuária. Mas, como era da Aeroflot, imagino que tenha voado para Moscovo.»

José Alberto Aparício manteve-se à frente da PSP da capital até 1980. Viria a ser substituído no governo da Aliança Democrática, presidido por Francisco Sá Carneiro. Coronel na reforma, hoje com 79 anos, é um dos militares que acumulou mais experiência na PSP em termos operacionais. Não duvida: «A operação foi muito bem montada. Foi escolhida uma noite em que estava reunido o Conselho da Revolução, em que sabiam que não haveria ninguém nas instalações da António Maria Cardoso. Os camiões ficaram estacionados suficientemente longe da sede da PIDE, para não levantar muitas suspeitas.» Aliás, nem poderiam ficar parados diante do edifício, uma vez que não deixariam os carros eléctricos circular — é por ali que passa a famosa carreira 28 da Carris. «As matrículas eram falsas e nada me diz que os marinheiros não o fossem: podiam ser civis disfarçados com fardas da Marinha. E no aeródromo de Figo Maduro estava tudo preparado para os receber. Pode escrever: eram profissionais com todos os efes e erres.»

Aparício é incapaz de dar uma data. «Foi no Verão de 1975, muito provavelmente ainda no tempo do Vasco Gonçalves como primeiro-ministro. E na vigência do general graduado Pinto Ferreira no Comando-Geral da PSP. Esteve lá até 29 de Setembro de 1975 e desde que foi substituído nunca mais me falou.» À demissão de Pinto Ferreira não terá sido alheio o assalto e incêndio, três dias antes, da embaixada de Espanha em Lisboa, a que as forças de segurança assistiram de forma passiva.

«Há coisas que nunca se esquecem na vida»

O Expresso contactou o Ministério da Administração Interna no sentido de localizar o relatório enviado para o Comando-Geral da PSP pelo seu então comandante distrital, tenente-coronel Aparício. A resposta, transmitida pelo gabinete da ministra Constança de Sousa, foi negativa: «Apesar das diligências do Departamento de Sistemas de Informação e Comunicações [DSIC] da Polícia de Segurança Pública, não foi possível encontrar qualquer documento referente ao tema.»

Igualmente contactado foi o então comandante do COPCON, a quem Aparício admite que também enviou uma cópia do relatório. «Não me lembro de qualquer relatório desse género», afirmou o coronel Otelo Saraiva de Carvalho. «Lembro-me muito bem de ter o José Aparício nos briefings matinais do COPCON — designadamente no dia do assalto ao consulado e à embaixada de Espanha, em que a PSP não fez nada. Mas esse tal relatório nunca o vi e nunca ouvi falar dele. E estou autorizado a dizer que o mesmo aconteceu com o coronel António Jorge Cardoso, que era o chefe da Repartição de Informações do COPCON, com quem falei.» Otelo, que tem acompanhado as revelações do Expresso a partir do arquivo Mitrokhin, acredita que «a maior parte da documentação terá sido levada para Moscovo não durante o PREC mas logo a seguir ao 25 de Abril, quando se formou a Comissão de Extinção da PIDE/DGS».

Acervo. O arquivo da PIDE/DGS, depositado na Torre do Tombo, em Lisboa,
devidamente guardado, organizado e com acesso público (em cima).
Dois «boletins de informação» elaborados pela PIDE sobre o cidadão
Francisco da Costa Gomes, futuro Presidente da República e marechal (em baixo)

Durante alguns anos, Aparício conservou uma cópia do relatório, que entretanto decidiu queimar. «Destruí há alguns anos pelo fogo, na Beira Baixa, o que pessoalmente tinha guardado do tempo do PREC.» Entre o material que guardara incluíam-se «cópias dos mandados de captura do COPCON enviados à PSP e nunca cumpridos; relatórios de alguns acontecimentos em que a PSP teve intervenção nesses tempos envolvendo figuras hoje importantes e ainda no activo; notas de algumas reuniões importantes; notícias e informações de ‘rasquices’ e ‘baldas’ de muitos intervenientes desses tempos revoltos; fitas de gravação de comunicações telefónicas de, e para, o telefone directo que tinha no meu gabinete». Até que chegou um dia em que «decidi destruir tudo. Reuni tudo o que tinha, e algum tempo depois, zás, tudo ficou em cinzas». «Hoje penso que fiz bem», mesmo tendo «consciência que sob o ponto de vista histórico fiz mal».

Quanto a outras testemunhas, «infelizmente já ninguém está vivo: nem os dois polícias que mandei fazer o reconhecimento do terreno, nem os subchefes que seguiram os camiões, nem o meu amigo Aurélio, sócio do Belcanto, nem o general Pinto Ferreira, a quem apresentei o relatório». José Aparício confia, porém, na sua (excelente) memória. «Há coisas que nunca se esquecem na vida. Uma delas, por exemplo, é a origem do avião que levou os caixotes da PIDE. É que não era um avião da TWA, era da Aeroflot, não sei se me faço entender...»

O conteúdo dos caixotes só viria a ser conhecido em 1994, através do antigo general do KGB Oleg Kalugin. No seu livro «Memórias de Um Espião», aquele dissidente soviético refere a audaciosa operação que consistiu no transporte, num camião, de uma «montanha de dados classificados» para a embaixada da União Soviética em Lisboa, de onde transitaram de avião para Moscovo. Muitos outros detalhes surgiram a público em 1999, com a revelação do arquivo Mitrokhin — o ex-arquivista-chefe de um dos principais departamentos do KGB. O livro «O Arquivo Mitrokhin. O KGB na Europa e no Ocidente», da autoria do próprio Vasili Mitrokhin e do investigador britânico Christopher Andrew, foi traduzido e lançado em Portugal no ano seguinte, pela Dom Quixote. Mas os pormenores da rede portuguesa do KGB só recentemente foram divulgados pelo Expresso. Um dos apontamentos redigidos por aquele alto funcionário do KGB — que se refugiou em Inglaterra com todo o seu gigantesco acervo documental — confirma de forma inequívoca que, «no final de 1975», a organização do KGB (ou rezidentura) em Portugal «recebeu do PCP» diverso material pertencente ao arquivo da PIDE/DGS.

José Aparício leu obviamente tanto o livro de Kalugin como o de Mitrokhin. Não se espanta, porque assistiu. «O general Kalugin só comete um erro: não foi um camião, foram dois. Ah! E não foram para a embaixada da URSS, foram directamente para o aeroporto. A não ser que tenha havido mais do que uma operação!»





domingo, 8 de maio de 2016


«Aleivosias de políticos que não prestam, mesmo…»


João José Brandão Ferreira, Oficial Piloto Aviador

Escudado no facto de Mouzinho de Albuquerque jazer em modesta e maltratada sepultura, aos Prazeres, vai para 114 anos, Francisco Louça arrogou-se o despautério de lhe ir às canelas, sem qualquer fundamento.

O novel Presidente da República, na cerimónia de tomada de posse, referiu no seu discurso que «Portugal é obra de soldados», aludindo ao grande militar e administrador ultramarino que foi a figura ímpar de Mouzinho de Albuquerque, autor da frase.

Esta frase não deixou de incluir – estamos em crer – algumas subtilezas de estilo, tendo em conta a presença do Presidente de Moçambique (que, supostamente, «representava» todos os países de língua oficial portuguesa), país que muito deve à acção daquele excelso oficial, mas cujo Estado não perdeu tempo a retirar todas as marcas da sua acção e presença em «terras do Índico», nomeadamente a sua estátua na antiga capital, Lourenço Marques.

No programa «Tabu», da SIC-Notícias, do pretérito dia 11 de Março, o inefável Dr. Francisco Trotsky Louçã, fez jus à sua apetência de controleiro ideológico dos costumes e comissário político da «verdade», à moda de Estaline – que não descansou enquanto não eliminou o seu rival e «alter ego» bloquista, às mãos da «Tcheka», mesmo depois de aquele ter procurado refúgio nas quenturas do México.

Louçã, escudado no facto de Mouzinho, homenageado por reis e imperadores, pela sua bravura, intrepidez e valor militar, jazer em modesta e maltratada sepultura, aos Prazeres, vai para 114 anos, arrogou-se o despautério de lhe ir às canelas, sem qualquer fundamento.

Observem esta «pérola digna do mais acabado asno», retirada da citada entrevista: «A citação sobre Mouzinho de Albuquerque, o homem que capturou Gungunhana, um bandeirante, que foi protagonista de uma das epopeias mais cruéis em África, e que veio dizer que Portugal era um país de soldados. Portugal não é um país de soldados! Teve as suas guerras, mas é um país que foi feito ao longo da História… O pilar de Portugal não são evidentemente os soldados, muito menos a saga colonial para capturar o Gungunhana. Coisa de que Mouzinho de Albuquerque, aliás, se sentia tão mal que anos depois ele se suicidou, se desgostou com a evolução da História. Portanto, todas as estas identificações são de uma cultura muito… uma espécie de cultura antropológica como se Portugal se projectasse para um mundo virtual quando na verdade o problema do país é a enorme dificuldade da sua identidade nacional na sua vida concreta. Portanto, falar de heróis é uma forma de não olharmos para os nossos problemas». Gostaram?

Louça sabia que com isto não corria o risco de com ele se cruzar no Chiado e receber o respectivo correctivo, em chibatadas.

Eu vou ficar pela esgrima das palavras e atirar ao agora «vátua berloqueiro», que Mouzinho não era um «bandeirante» mas um destemido e competente oficial de cavalaria, escolhido, como outros, pelas suas qualidades, pelo Comissário Régio António Ennes, para participar numa campanha militar que se adivinhava difícil, tendo em 1896/7 ocupado o cargo de Governador; que dizer que Mouzinho foi protagonista de «uma das epopeias mais cruéis em África» é uma despudorada mentira; e ter afirmado que «Portugal não é um país de soldados» só demonstra a sua ignorância, quiçá demência.

«Portugal teve as suas guerras»… Kamarada Louçã, vá-se coçar. Portugal esteve quase sempre em guerra desde que nasceu, ao ponto de a História Militar quase se poder confundir com a História de Portugal.

Insinuar que Mouzinho se suicidou por estar arrependido por ter capturado o Gungunhana (que aliás foi poupado e enviado com os seus familiares para um exílio dourado nos Açores), transforma o economista Louçã num cómico com o mesmo nome.

As considerações que faz sobre a evocação dos heróis e a projecção para realidades virtuais, entra no domínio do delírio e da esquizofrenia, o que mesmo uma ideologia vesga não justifica.

Olhe, trate-se e estude qualquer coisinha. E não calunie a História de Portugal e os seus mais valorosos protagonistas.

E se não gosta da terra onde nasceu, tem bom remédio: vá para longe que não faz cá falta nenhuma.

A memória e a verdade dos faustos ilustres da nossa História e seus protagonistas, não podem continuar a ficar à mercê de mentiras vis, insinuações torpes, de serventuários de ideias inquinadas e de filhos das trevas.

Ao contrário do que muitos defendem, nem todas as ideias ou opiniões são respeitáveis.

Ao galope… À carga!







O «turra» maneta que cuida dos tugas mortos


Luís Pedro Nunes, Expresso, 30 de Setembro de 2015

Tentou devolver uma granada que lhe mandaram e acabou por perder uma mão. Mais de quarenta anos depois, é ele quem cuida do cemitério onde estão enterrados os antigos inimigos mortos em combate. Sabe algumas histórias dos soldados cujos corpos foram deixados para trás, outras ficaram para sempre perdidas no tempo e nas lápides que não levam nome


Sim, um «turra» que perdeu a mão com uma granada toma conta dos «tugas» mortos na guerra colonial. Eis como chegámos até ele.

Foi com algum receio que ultrapassámos a porta do Cemitério Municipal de Bissau para visitar os talhões dos militares portugueses. Situa-se numa das zonas mais degradadas da cidade antiga. Na Guiné há cerca de 30 locais onde existem corpos de soldados portugueses mortos durante a guerra colonial. Alguns destes locais estarão ao abandono ou já não se sabe a localização exacta de certos corpos, como feridas que há muito sararam e não deixaram cicatrizes. Há histórias escabrosas de campas abertas, revoltas, profanadas pelo abandono e desinteresse de mais de quatro décadas.

Entra-se e, como sempre, é o verde do mato que sobressai. Fica-se a saber que há um responsável pelos três talhões de militares portugueses mortos. Logo à entrada, junto a campas sem nome, deparámos com duas placas de 2010 da Liga dos Antigos Combatentes, o que revelava ter havido ali alguma preservação recente. Mas a verdade é que grande parte do cemitério, lá para a zona do fundo, está destruído ou a ser «reciclado», isto é, reutilizado. Foi sempre um trauma não superado, uma história que não resolvemos — a dos nossos mortos deixados para trás, soldados enterrados nos quartéis que depois foram abandonados à pressa. Os familiares tinham que pagar 11 contos para os trazer para a Metrópole. Era muito dinheiro.

Deambular pelo cemitério é sempre um passeio errático, no meio de capim alto e mármore partido que se tem receio de pisar. Ao longe vem um homem a passo largo. Ainda há uns três anos, Bissau era conhecida por ser um local difícil para jornalistas. Não se conseguia trabalhar sem uma ou duas autorizações escritas de diferentes entidades superiores. E uma notinha em dinheiro para fazer o quer que fosse. Pois, isso acabou.

Aproxima-se aquele homem de cara fechada. Mão agarrada a um braço que perdeu.

— É o responsável aqui pelo talhão dos militares portugueses? (Abre-se um sorriso amigo.)

— Sou sim senhor.

Francisco Monteiro, 68 anos, antigo guerrilheiro do PAIGC, a pedido mostra o coto. Perdeu a mão em 1973, ao tentar devolver uma granada lançada pela tropa portuguesa. É ele o cuidador dos seus «inimigos» mortos em combate. Não há ironia nem poesia nisto. E, posso testemunhar, não há rancor.

— A guerra foi trabalho de Salazar, eles não tiveram culpa e ainda ficaram aqui.

Francisco Monteiro, antigo combatente do PAIGC,
junto às campas de soldados portugueses
O «turra» maneta que cuida dos «tugas» mortos dá uma volta connosco pelos talhões. Há aproximadamente 480 campas. Francisco Monteiro garante que no ano passado ainda foram trasladados para Portugal três e que recebe visita de portugueses «meses sim, meses não». Há campas não identificadas, sabe as histórias de meia dúzia, nomeadamente de mortos de finais dos anos 60, como a de três portugueses que morreram pela acção de um morteiro e cujas campas aponta. E, como tantos ex-combatentes do PAIGC que encontramos, Francisco Monteiro é um desencantado com o país de hoje e com o que vive: «Não tenho nada. O povo não tem nada. A Guiné podia ter tudo.»

É preciso contextualizar este desencanto. Estamos no início de Setembro. O Presidente da República, inesperadamente, anuncia a demissão do primeiro-ministro e a decisão de formar um governo presidencialista que, alegadamente, quererá controlar. As pessoas ficam perplexas. O Governo era o resultado de uma eleição democrática efectuada há dois anos e que agora não se pode repetir por não haver financiadores externos dispostos a contribuir para caprichos de aparentes «meras» divergências de personalidades. Mais do que um total apoio ao primeiro-ministro — que até se sentia por todo o país — as pessoas afundaram-se num cansaço de instabilidade e receio de mais um golpe de Estado violento. As «coisas» tinham começado a funcionar. Aos poucos. Ninguém percebia as causas da demissão. Quer dizer, os boatos corriam. Todos eles metiam dinheiro. E temia-se que os militares só estivessem quietos devido à presença das forças das Nações Unidas. [Entretanto, Carlos Correia, de 81 anos, tomou posse como novo primeiro-ministro].

Bissau, junto ao porto.
O centro da cidade tem um ar pós-apocalíptico. Uma cidade colonial destruída e semidesértica. E aquela Praça do Império — ainda lhe chamam isso — agora cheia de grades metálicas, onde se situa o palácio presidencial, já palco de tantos golpes de Estado.

Há 40 anos, Bissau era uma cidade com pouco mais de 70 mil habitantes. Hoje, estima-se que contará com quase meio milhão, um terço da população do país. Onde estão? Não no centro, mas nos bairros que abraçam a cidade, cheios de cor e animação. Alguns, curiosamente, estão pavimentados por alcatrão perfeito, ao contrário do centro. É aí, na periferia, que reside a verdadeira população de Bissau, deslocando-se nos «toca-toca» (carrinhas onde cabe sempre mais um), sujeita a todo o tipo de arbitrariedades da polícia para sacar algum dinheiro. Na Guiné ninguém fala em narcotráfico, narcoestado, embora haja quem fale por alto sobre isso, dizendo que «isso» mudou muito nos últimos anos. Para melhor. «Diz-se» que os americanos da DEA montaram cerco às águas e ao mar do arquipélago do Bijagós.Quando saímos do cemitério, demos uma nota ao «turra» maneta. 

Quando íamos a entrar no carro vimos que ele estava a entregar a nota a uns tipos à porta do cemitério. Chamámos.

— Está a dar o dinheiro a outros? Porquê?

— Eles não têm mesmo nada.

(Pode parecer um final feliz meio arranjado.

Mas foi mesmo assim que aconteceu. Demos-lhe outra nota. E ele lá foi embora.)






terça-feira, 3 de maio de 2016


Censuras


João José Brandão Ferreira, Oficial Piloto Aviador

O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán esteve em Portugal, onde no dia 15 de Abril, participou na conferência da Internacional Cristã Democrata. Que se saiba apenas o jornal «Expresso» noticiou o evento.

Entretanto quase todos os órgãos de comunicação social (OCS) verteram horas de imagens, som e resmas de escrita, sobre a multitude de jogos de futebol entretanto ocorridos.

As eleições presidenciais na Áustria deram, na 1.ª volta, o apuramento para o despique final, um candidato tido de extrema-direita, juntamente com outro de extrema-esquerda (camuflado com o rótulo de ecologista), com a «originalidade» da derrota clamorosa de todos os candidatos do «centrão».

Pois o país ficou a ignorar, praticamente tais resultados e o que se passou…

Ao mesmo tempo, porém, noticias, reportagens e comentários sobre a morte de estrelas do rock, normalmente ligadas a escândalos sexuais, droga, taras e vícios sociais vários (ou será que já não há vícios?), lograram amplo eco nas pantalhas, restante espectro electromagnético e em caracteres alfabéticos, impressos numa substância que teve a sua origem nos papiros egípcios.

Obama – o «entertainer» – veio à Europa interferir abusivamente no referendo inglês sobre a permanência da Grã-Bretanha na União Europeia; vai à Alemanha tentar condicionar a chanceler Merkel (que, por acaso, se chama «Kasner») sobre as opções a tomar por aquele país – que depois de vencido na II Guerra Mundial, até hoje não teve um tratado de paz – relativamente às suas opções na NATO, versus Rússia, ao mesmo tempo que tenta pressionar aquele grupo de políticos burocratas, não eleitos e principescamente pagos, sitos nas diferentes agências da desunião europeia, sem norte, a assinarem o Acordo de Parceria Transatlântica de Comercio e Investimento[1], que anda a ser negociado «por baixo da mesa» e que, a ir para a frente, irá soterrar de vez, a soberania dos estados europeus (e os EUA), sem que a esmagadora maioria dos OCS nacionais, tenha feito desta viagem a mais elementar cobertura jornalística.

Sem embargo, partem dois ou três carros com umas bugigangas – logo denominada de caravana – para oferecer aos refugiados/migrantes/emigrantes/etc., finalmente sustidos na Grécia (ou noutro ponto qualquer) e é um ver se te avias de notícias laudatórias.

Aqui deve fazer-se um parêntesis para dizer que as notícias devem ser apenas isso: noticias. Não têm, nem cabe aos jornalistas enquanto tal, adjectivá-las…

Por outro lado, a grande maioria das ocorrências – que são às centenas – de latrocínios, destruições, atentados à integridade física e moral de pessoas, exigências ridículas e despropositadas e os milhentos problemas e custos, causados por esta vaga de migração descontrolada – que está a fazer com que as populações dos países «assaltados» estejam a ficar prisioneiras e escravas no seu próprio território (ou o território agora, é comum a todos?) – são omissas em 95% dos «média» nacionais!

E quando alguns ditos refugiados – pois só conhecem de Portugal, alguns dos seus futebolistas – sendo inquiridos, não desejam vir para cá, é o próprio Presidente da República que se amofina com isso e quer é que eles venham…

Pergunta-se (os exemplos podiam continuar «ad nauseum»): se isto não representa a mais despudorada censura (incluindo a autocensura, que é a pior de todas) é o quê?

Se tal não se enquadra na mais inacreditável manipulação, enquadra-se em quê? Se o que pela rama se descreveu, não configura a maior falta de respeito pela liberdade de informação e de expressão, configura o quê, santo Deus?

Deus, eu disse Deus?

Será por isso que Sua Santidade o Papa levou refugiados muçulmanos (e, aparentemente, só esses) para o Vaticano?

Será que acampam na Capela Sistina ou irão construir uma mesquita (com minarete e tudo) para os albergar?

Será que a Santa Sé também irá pagar a transladação dos mártires cristãos, que andam a ser dizimados um pouco por todo o mundo maioritariamente muçulmano, só por o serem, para o local onde Pedro fundou a Igreja?

O prémio Carlos Magno 2016, entregue anualmente na cidade de Aachen, foi atribuído a Sua Santidade. Felizmente que o chefe espiritual dos católicos, apesar de o ter aceitado, não se deslocará àquela cidade alemã, sendo o prémio entregue em Roma.

Porventura não haverá ninguém em toda a Santa Madre Igreja, que possa alertar o Sumo Pontífice para o significado e envolventes, de tal distinção?

O mundo foi sempre um local perigoso. Convinha não andarmos confundidos.


[1] Conhecido pela sigla inglesa TTIP – «Transatlantic Trade and Investment Partnership»





domingo, 1 de maio de 2016


Alguns ocultam-se atrás da misericórdia...








Defesa e civilidade



Há muitos anos que no Ministério da Defesa Nacional se vem assistindo a uma progressiva desmilitarização e a uma correspondente civilização.

Infelizmente, esta progressiva civilização não encontra correspondente em matéria de civilidade.

Será que no Ministério já não há um militar que possa dar um toque de cotovelo ao ministro quando ele não vai bem? Será que S. EX.A não usufrui dum ajudante de campo que sempre lhe alimentaria o ego e o estatuto, e por dever de ofício olharia por uma apresentação mais compatível do senhor ministro?

Vem esta arenga a propósito de duas fotografias que vi do actual ministro A Lopes em dois actos oficiais distintos:

Numa primeira, o senhor passava revista a uma guarda de honra que lhe estava a ser prestada, no estrangeiro, por garbosos soldados portugueses impecavelmente fardados. O governante apresentou-se, a receber as honras, em traje de passeio sem gravata e com uma casaca de sorrebeco!

A segunda é a que está à vista. À entrada dum quartel que o mesmo senhor vai visitar, um soldado corneteiro, de postura irrepreensível, põe a tropa em sentido, em consideração ao ministro e quatro outros militares graduados impecavelmente uniformizados, de uniforme número um, de luvas calçadas, fazem as honras da casa ao cavalheiro.

Como contraponto temos alguém com aspecto pouco cuidado, com a camisa desapertada debaixo duma gravata colocada às três pancadas, casaco desabotoado com as pestanas dos bolsos à trangolamango e uma postura de seca, de desmotivado, de derrotado, de quem comeu e não gostou, menos recomendável!

Todos temos consciência de que as Forças Armadas são um «brinquedo» demasiado caro. Por isso, admitimos que possam estar menos bem armadas e equipadas ou até fardadas, o que ninguém aceita, até porque é sintoma de indisciplina, é que se apresentem abandalhadas, com a farda em desalinho, maltrapilho.

Por tudo isto, tenha-se em atenção futura:

Quando o próximo ministro da Defesa Nacional contactar, em serviço, uma Unidade Militar, por uma questão de civilidade deve assumir uma postura que não seja desmazelada e vestir um fatinho decente, que não precisa ser muito caro, convindo também que não seja amaricado. Sobretudo não apareça desbraguilhado ou roto.

Se for uma mulher, que se adaptem as presentes recomendações ao género.