BLOGUE DA ALA DOS ANTIGOS COMBATENTES DA MILÍCIA DE SÃO MIGUEL

sexta-feira, 29 de abril de 2016


Dois cidadãos contaram duas histórias


História do cidadão americano


Comprei uma casinha, dessas abertas, para alimentar pássaros, pendurei-a na varanda e coloquei-lhe alpista. Ficou maravilhosa! Nos primeiros dias, apareceram alguns pássaros simpáticos e eu carinhosamente nunca deixei faltar as sementes para os alimentar.

Ao fim de duas semanas, tivemos centenas de aves que se deleitavam com o fluxo contínuo de comida livre e facilmente acessível. Então, os pássaros começaram a construir ninhos nas beiras do pátio, acima da mesa e ao lado da churrasqueira, ou seja, por todo o lado.

Depois veio a porcaria, porque faziam as suas necessidades em toda a parte: nas cadeiras, na mesa ..., enfim, em tudo! Algumas aves alteraram o seu comportamento, tentando-me atacar em voo de mergulho e me bicar, apesar de eu ser o seu benfeitor.


Outras aves faziam tumulto e eram barulhentas. Pousavam no alimentador e a qualquer hora, ruidosamente, exigiam mais comida quando esta ameaçava acabar.

Chegou um momento em que eu não conseguia sentar-me na minha própria varanda. Então, desmontei o alimentador de pássaros e em três dias acabaram indo embora. Limpei toda a porcaria e acabei com os ninhos que fizeram por todo o lado.

Tudo voltou a ser como costumava ser: calmo, sereno e nenhum pássaro exigindo direitos a refeições grátis.

História do cidadão europeu


O nosso Estado dá comida de graça, habitação, subsídios, assistência médica e educação gratuita a qualquer pessoa nascida num País de outro continente, que diga ser refugiada, o que originou que, de repente, chegassem dezenas de milhares de pessoas. De repente, os nossos impostos terão que subir para pagar os serviços gratuitos, os apartamentos, os custos gratuitos de saúde dessas pessoas.

Na escola querem retirar a carne de porco e salsichas da alimentação porque essas pessoas dizem que é contra a sua religião, querem arranjar espaços para construir locais onde esses possam praticar a sua religião, querem que as suas raparigas andem cobertas, as suas mulheres não aceitam ser atendidas num hospital por médicos do sexo masculino porque é contra a sua religião, e muitas outras situações que se as contássemos provocariam um pânico generalizado.

As caixas de cereais matinais, o leite e outros alimentos vêm com rótulos bilingues.

Sou obrigado a usar teclas especiais para poder falar com o meu banco no nosso idioma e a ver pessoas estranhas acenando bandeiras, que não são a nossa, e ouvi-las berrando e gritando pelas ruas, exigindo mais direitos e liberdades gratuitas.

É apenas a minha opinião, mas talvez seja hora de também o governo desmontar o alimentador de pássaros.






terça-feira, 26 de abril de 2016


Corações ao alto: Abril regressou!


João Miguel Tavares, Público, 26 de Abril de 2016

É certo que nem toda a gente é Vasco Lourenço, mas o seu espírito paira sobre as cabeças do PS, do Bloco, do PCP e de metade do PSD.

A jornalista da SIC Anabela Neves, que já assistiu a muitos 25 de Abril no Parlamento, detectou no final das cerimónias de ontem diferenças significativas na performance do hino nacional pela banda da GNR: «Palmas mais fortes do que é habitual ao hino, que desta vez se ouviu bem mais na sala de sessões do Parlamento. Muita gente, muitos deputados, finalmente a cantarem.» Oh, que lindo. Nada como a esquerda voltar ao poder, para mais toda juntinha – Abril pode novamente voltar a ser Abril e o hino pode novamente soar como um hino.

Durante a manhã de ontem, os acordes d’A Portuguesa escutaram-se espectacularmente. A secção de sopros da banda da GNR soprou com notável entusiasmo. A percussão percutiu com outro músculo. Os deputados cantaram como se tivessem um Manuel Alegre dentro deles. Os capitães de Abril ruboresceram de novo as galerias com os seus cravos. A normalidade institucional e constitucional mostrou-se, enfim, reposta. Como afirmou o deputado do PEV, «Abril está de regresso».

Foram longos anos de ausência. Durante a governação de Pedro Passos Coelho houve Abril, o mês, mas não Abril, o estado de espírito, que, como todos sabemos, apenas desce sobre as almas quando a esquerda está no poder. O Abril da direita não é verdadeiro Abril – é um Abril diminuído e poluído, que se suporta por penoso dever democrático, mas que nunca se chega propriamente a aceitar. Ferro Rodrigues celebrou o regresso da Associação 25 de Abril ao Parlamento com um tom tão entusiasmado («que bom é ver-vos de volta a esta casa que é também a vossa casa!») que só faltou pedir desculpa a Vasco Lourenço pelo comportamento dos anteriores inquilinos. Os tais inquilinos que, como recordou Lourenço à saída, tinham «uma postura anti-25 de Abril».

Perguntarão os leitores: uma «postura anti-25 de Abril» porquê? Acaso Passos Coelho tomou o poder de assalto? Acabou com as liberdades individuais? Silenciou a comunicação social? Agiu contra a oposição? De que forma pode ter ele sido «anti-25 de Abril»? A resposta é simples: é que se para uns a democracia é tudo, para a Associação 25 de Abril e para dois terços do actual Governo e partidos adjacentes a democracia é pouco. Democracia sem um projecto de esquerda não é democracia, porque boa parte da esquerda portuguesa ainda vive mentalmente no tempo do pacto MFA-Partidos – um povo pouco esclarecido pode fazer gripar o motor do processo revolucionário.

Dir-me-ão que os tempos são outros. Sim, com certeza que são, mas o regime continua a transportar consigo a flor-de-lis da esquerda, que se torna muito visível nos dias mais carregados de simbolismo, como é o caso do primeiro 25 de Abril do primeiro-ministro António Costa. Após a revolução, o CDS teve de fingir que era de centro e Sá Carneiro que era de esquerda, e quatro décadas depois só não tem «uma postura anti-25 de Abril» quem continuar a fingir.

É certo que nem toda a gente é Vasco Lourenço, mas o seu espírito paira sobre as cabeças do PS, do Bloco, do PCP e de metade do PSD – a esquerda nunca se limita a apresentar uma alternativa política à direita; ela está sempre em processo de salvação de todo o sistema social e democrático. Ainda que isto se passe sobretudo num plano simbólico, o simbolismo conta – porque é ele que continua a infectar a direita com a falta de legitimidade política para defender as suas ideias, 42 anos após Abril. Pessoalmente, não tenho pachorra, por mais bestial que seja a actuação da GNR.





segunda-feira, 18 de abril de 2016


Azeredo Lopes, a agenda LGBT

e o desrespeito pelas Forças Armadas


André Azevedo Alves, Observador, 16 de Abril de 2016

Azeredo Lopes pouparia um importante embaraço a António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa se apresentasse a sua demissão, colocando assim um ponto final na triste novela que ele próprio desencadeou

Os mais recentes esforços para impor a agenda LGBT no Colégio Militar poderiam ser apenas mais um episódio relativamente marginal de actuação infeliz da «geringonça» e dos seus aliados mas, infelizmente, a intervenção absolutamente desastrosa e gravemente desrespeitosa do ministro da Defesa Azeredo Lopes fez com que a situação transcendesse em muito esse patamar. De facto, Azeredo Lopes conseguiu o feito (de duvidoso mérito) de transformar um episódio de excitação mediática propiciado por uma das recorrentes indignações do influente lobby LGBT numa lamentável novela que conduziu à demissão do general Carlos Jerónimo de CEME e afectou de forma gravosa as Forças Armadas. A gravidade da conduta de Azeredo Lopes foi bem resumida numa contida – mas afirmativa – carta aberta dirigida pelo tenente-general Garcia Leandro ao ministro da Defesa:

«Acontece que V. Ex.ª se assustou, sem qualquer razão, com as declarações do BE, tratou do assunto nos OCS [órgãos de comunicação social] e pressionou o general CEME para tomar decisões em área da sua exclusiva responsabilidade; claro que qualquer general sério e que mereça tal designação, sendo ainda o n.º 1 do seu ramo, teria tomado a mesma decisão que o general Carlos Jerónimo, que saiu engrandecido de toda esta triste novela

Tenha sido impulsionada por medo das pressões do Bloco de Esquerda ou motivada por convicções pessoais profundamente enraizadas, a verdade é que esta actuação de Azeredo Lopes foi profundamente infeliz e reveladora de um inaceitável desrespeito pelas Forças Armadas. O comportamento ofensivo de Azeredo Lopes contraria aliás uma longa tradição estabelecida no PS de respeito pelas Forças Armadas, levantando a possibilidade de, também nesta área, estarmos a assistir a um nefasto efeito «geringonça».

Em sua defesa, Azeredo Lopes estará porventura habituado a exercer impunemente o tipo de conduta agora manifestado (basta recordar, a título de exemplo, a forma como actuou na ERC), mas ao transpor esse padrão para o relacionamento com as Forças Armadas deixou de ter condições para exercer de forma eficaz o cargo de ministro da Defesa.

As demissões recentes do ministro da Cultura e do secretário de Estado da Juventude e Desporto – juntamente com a possibilidade de ser visto pelo Bloco de Esquerda como um valioso ponta de lança para o avanço da agenda LGBT nas Forças Armadas – funcionarão neste momento como factores de sustentação de Azeredo Lopes no cargo mas o actual ministro da Defesa pouparia um importante embaraço a António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa se apresentasse a sua demissão, colocando assim um ponto final na triste novela que ele próprio desencadeou.

Face à gravidade das ofensas e desconsiderações a que Azeredo Lopes os sujeitou, é de louvar a extraordinária contenção nas reacções públicas dos militares. Essa contenção constitui em si mesma uma elevada prova de respeito institucional e de sentido de serviço a Portugal. Resta esperar que os responsáveis políticos que transitoriamente ocupam cargos no executivo não cometam o grave erro de confundir essas virtudes com mansidão ou cobardia.






«Depois do 25 de Abril de 1974

toda a história da guerra tem sido mal contada»


Em parceria com Humberto Nuno de Oliveira,

João Brandão Ferreira lança o livro

Guerra d’África, 1961-1974

— Estava a guerra perdida?



É lançado no dia 23 de Abril às 17h30 o livro Guerra d’África, 1961-1974 – Estava Guerra a Perdida?, da autoria de João Brandão Ferreira, cronista da SÁBADO, e Humberto Nuno de Oliveira. Defendendo que «depois do 25 de Abril de 1974 toda a guerra tem sido mal contada», Brandão Ferreira afirma que o objectivo do livro é dar ao leitor «o direito ao contraditório», para que este não aceite «tudo aquilo que tem sido servido no caldo político e social» sobre a história da guerra de África, que decorreu de 1961 a 1974.

Como salienta o autor, este livro pretende dar às pessoas uma «ideia mais aproximada da realidade das coisas e dos factos históricos», fazendo referência ao facto de, sobretudo, se dizer que «a guerra de África foi injusta, o que resulta numa tremenda mentira».


Por isso, baseando-se na pergunta «Estava a Guerra perdida?», o livro inclui, além de textos de Humberto Nuno de Oliveira e João Brandão Ferreira, 24 entrevistas a dois civis e 22 militares. Neste contributo que João Brandão Ferreira considera «inovador», o objectivo foi «diversificar as intervenções». Assim, as pessoas que quiseram colaborar são «patriotas, pessoas que não estão de certa maneira conotadas com alguma ideologia que possa desvirtuar a maneira como se expressam e também pessoas com alguma idoneidade reconhecida».

O lançamento vai decorrer no Salão Nobre da Sociedade História da Independência de Portugal, no Largo de São Domingos, em Lisboa e vai ser apresentado por Alexandre Lafayette, um ex-combatente do Ultramar. O prefácio do livro ficou a cargo de Jaime Nogueira Pinto.







O novo Colégio Militar

do ministro feito com o lóbi dos invertidos


https://www.youtube.com/watch?v=ol5Dfs7jqFI





domingo, 17 de abril de 2016


A heróica resistência de Mucaba

— Evocação 55 anos depois


João José Brandão Ferreira, Oficial Piloto Aviador

17 de Abril de 2016 (mas escrito faz muito tempo).


Civil António: «Meu Capitão, 6.500 negros são muito negros…»
Paiva Couceiro: «Mas 275 portugueses também são muitos portugueses».
Diálogo ocorrido durante o combate de Magul, 1895.

A chamada luta pela independência de Angola a que nós melhor chamaremos (e reservamo-nos o direito de o fazer…), de acções de terrorismo interno movido e apoiado por forças vindas de fora, teve início em Angola, no desgraçado dia 15 de Março de 1961, tendo sido precedido por acções violentas por parte de forças alegadamente ligadas ao MPLA, no dia 4 de Fevereiro, contra uma prisão e uma esquadra da PSP na cidade de Luanda.

Estes acontecimentos foram precedidos e enquadrados por várias ocorrências a nível nacional e internacional dos quais darei uma pequena síntese a fim de melhor enquadrar o evento ora evocado.

1961, foi um ano em que a guerra Fria atingiu um dos seus maiores picos que culminou na crise dos mísseis em Cuba.

Os «ventos» da descolonização inseriam-se na lógica dessa guerra Fria, dando expressão prática à célebre frase de Lenine de que o caminho para Londres e Paris passava por África.

A questão da denominada autodeterminação dos povos foi posta em movimento uniformemente acelerado após a conferência de Bandung em 1955, em que nascia o movimento dos não-alinhados, encabeçados por Tito, Nehru e Nasser, que pretendia juntar os países do chamado «Terceiro Mundo», numa via independente das superpotências mas que, na prática, passou a fazer objectivamente o jogo da União Soviética. O objectivo imediato era a expulsão do homem branco, dos continentes africano e asiático e o enfraquecimento das potências europeias, que retiraram em debandada de marcha.

Neste objectivo confluíram os EUA, por razões distintas (pretendiam urgentemente subtrair os novos governos à influência comunista, garantir matérias-primas e ao mesmo tempo diminuir o poder dos europeus, seus concorrentes no mercado capitalista).

No fundo todos se estavam borrifando para os direitos humanos, a liberdade dos povos e o bem-estar das populações. Tratava-se apenas de substituir soberanias, garantir apoios estratégicos e cativar mercados.

Isto é, um verdadeiro neocolonialismo «a la letre».

O acesso de um magote de pseudo-estados à ONU, sobretudo a partir de 1960, fez perder a maioria da Assembleia Geral, ao bloco Ocidental enquanto a Rússia e a China mantinham o Conselho de Segurança refém do seu veto político.

De tudo isto se apercebeu com clarividência o Governo português de então, e com a coragem própria dos grandes momentos da História de Portugal, dispôs-se a resistir a este vendaval de subversão política e da mais infame hipocrisia internacional.

Por isso os Portugueses sofreram o maior ataque político, diplomático, económico e militar à escala mundial, como já não se via desde o domínio filipino.

O ataque começou na Índia a partir de 1947 e foi contido vitoriosamente, deve dizer-se, durante mais de 10 anos, tendo culminado com a invasão brutal, em 18 de Dezembro de 1961; a violência em Angola teve início nesse mesmo ano, estendeu-se a S. João Baptista de Ajudá, ocupada pelo Daomé em 1 de Agosto de 1961, por «constituir um perigo para a paz mundial» (sic!); acercou-se da Guiné em 1963 e de Moçambique no ano seguinte e culminou com o golpe de estado em Lisboa, em 25 de Abril de 1974 e com o que se lhe seguiu.

Na altura e como é hábito entre nós, parte da elite política e intelectual, aterrorizou-se com as ameaças existentes e em vez de se reunir à volta do interesse nacional e cerrar fileiras em torno da coesão popular, cindiu-se e passou a defender ideias desvairadas.

O ministro da Defesa, Botelho Moniz magoado com o chefe do Governo desde os tempos em que tinha sido dispensado de ser ministro do Interior, no fim dos anos 40, amedrontado com a missão ciclópica que tinha que tentar cumprir e mancomunado com a administração americana, que prometia muitos dólares (enfim, na tradição arrogante dos novos ricos, que já tinha comprado o Louisiana aos franceses, o Alasca à Rússia, algumas terras ao México, outras aos índios e tentaram comprar a Florida e Cuba aos espanhóis, para só citar estas), tentou fazer um golpe de Estado palaciano e falhou. Foi a «Abrilada».

Um ex-candidato a Presidente da República e um ex-candidato a Governador de Angola, ambos ex-próceres animosos, do Estado Novo conspiraram nacional e internacionalmente, contra o seu governo e chegaram ao ponto de fomentar e liderar um desvio de um avião da TAP e do paquete Sta. Maria, iniciando assim, salvo melhor opinião, a pirataria e o terrorismo moderno.

Tudo isto aparentava pelos «timings» e objectivos, estar conjugado com o início do terrorismo em Angola (que teve o apoio americano).

A oposição comunista, que falava em «patriotismo» e «democracia» em cada discurso (e ainda hoje fala), tentou uma revolta com o ataque ao quartel de Beja em Janeiro de 1962. Tudo falhou e as coisas serenaram.

A verdade é que a esmagadora maioria do povo português sentia o Ultramar como seu e cerrou fileiras na sua defesa, tendo os batalhões seguido «estranhamente» completos e em boa ordem de marcha, até ao fim da guerra, isto é, em Abril de 1974.

Deste modo foi possível defender Angola com sucesso. Os portugueses não eram belgas, nem franceses, nem ingleses; nem mercenários, tão pouco os perigosos colonialistas que muitos acusavam. Não se atemorizaram e ficaram com as armas numa mão e a charrua na outra. Foi isso aliás, que lhes tinham ensinado a fazer desde os tempos do Condado Portucalense, há mais de 800 anos. Maneira de estar na vida que, pelos vistos, se esfumou, nas últimas quatro décadas.
*****

Mucaba foi um farol e um marco na resistência dos portugueses naquela época difícil, mas heróica, e que emocionou a Nação.

Mucaba era um pequeno posto administrativo cujo chefe era o intendente Hermínio Sena, perto da serra do mesmo nome, nos limites dos concelhos da Damba e do Bembe e distava 45 km de Carmona.

A zona era propícia à plantação de café e a safra desse ano anunciava-se promissora.

Desde 16 de Abril desse ano de 1961, que bandos de revoltosos a cercaram isolando as cerca de três dezenas de habitantes que nela ficaram.

Este isolamento tornou-se total, com a avaria do pequeno emissor P-19 de que dispunham. No resto da província, nada se sabia, pois, do que lá se passava. Os moradores entrincheiraram-se na pequena capela, como que a invocar a protecção divina – uma outra tradição antiga das lusas gentes – e não será figura de retórica afirmar, que lhes sobrava em valentia e determinação o que lhes escasseava em meios de defesa.

No dia 20 romperam as hostilidades com um ataque a um grupo de defensores que se afastara, estrada fora, em busca de notícias e que teve que lutar bravamente para se salvar. Nesse dia a Força Aérea conseguiu destruir um emissor P-21 do inimigo, assinalado na mata do Feitiço.

No dia 25, uma coluna de civis e militares vinda do Negaje, destroçando toda a resistência encontrada e reparando 24 pontes destruídas pela guerrilha, alcançaram Mucaba, tendo trazido além do conforto moral da sua presença, algum armamento, munições, víveres e medicamentos. A coluna, cumprida a sua missão, volveu à sua base e Mucaba regressou ao seu isolamento.

A 29, uma avioneta pilotada pelo engenheiro Pereira Caldas, avistou a 5 km de Mucaba, vários grupos de rebeldes que se dirigiam à povoação. De imediato lançou uma garrafa com uma mensagem de aviso, sobre uma das ruas e ainda foi disparar uns tiros de pistola sobre a horda de invasores.

A população preparou-se para o pior e para melhor avaliar a situação saíram duas carrinhas, a primeira das quais caiu numa cilada tendo morrido os seus seis ocupantes, tendo a restante escapado milagrosamente, graças ao sangue frio do condutor que retirou em marcha atrás.

O piloto alertou ainda as autoridades civis e militares e a população de Carmona, que se juntou pelas 23 horas na Praça do Concelho, voluntariando-se para ir em socorro de Mucaba. A multidão, de início exaltada, só dispersou depois de se assegurar que as autoridades iam enviar auxílio e depois de cantar o Hino Nacional.

De facto uma coluna militar com duas secções de paraquedistas e duas secções de tropas indígenas, comandada pelo tenente Mansilha partiu do Negaje (a 130 km de Mucaba) às 00h00 do dia 30, só tendo chegado à povoação, pelas 15h00, após esta ter sido libertada, tendo sofrido ataques e ter que ultrapassar numerosos obstáculos.

Nesse mesmo dia 29 pelas 17h30, teve lugar o primeiro ataque, ao som de cânticos guerreiros e em vagas sucessivas. O fogo certeiro dos defensores causou avultadas baixas nos atacantes, calculados em cerca de 2 000 e que continuaram as suas investidas durante toda a noite.

Às 22h00, com as ruas iluminadas para melhor proceder à defesa o chefe Sena, cabo-verdiano de origem (e que é bem a prova do universalismo lusíada), agarrado ao P-19, entretanto reparado, lançava para o ar o seu apelo angustioso: «As nossas munições estão escasseando! Mandem-nos aviação pelo amor de Deus».

De facto, de Luanda e do Negaje, partiram vários aviões que sobrevoaram constantemente a povoação, mas nada podiam fazer devido ao denso nevoeiro.

No seu emissor, o chefe Sena ia dizendo a toda a Angola angustiada: «Estamos a morrer, não temos munições, receamos chacina total».

Durante toda a noite a Força Aérea Portuguesa manteve-se à vertical de Mucaba, apesar do mau tempo, para lhes manter o moral.

De Santo António do Zaire, pedem à gente de Mucaba que se aguente até a Força Aérea poder actuar, mas às 03h00 da madrugada o P-19 anunciava, «O inimigo atira pela porta da capela paroquial. Salvem-nos. Morremos portugueses!». Depois o silêncio.

Em toda a província receava-se o pior, até que às 05h00 da manhã, o emissor de Mucaba fez-se ouvir de novo para dizer: «Estamos inermes, só nos resta combater à baioneta».

Os assaltantes, vendo diminuir a resistência e sentido a vitória segura entregaram-se a estranhas libações e foram amontoando bidons de gasolina à volta da capela, para «a churrascada» dos brancos.

Ao amanhecer, os malvados agruparam-se para o ataque derradeiro. Mas voando baixo surpreendendo-os, aproxima-se um pequeno DO-27 pilotado pelo capitão Mascarenhas que intenta e consegue, a proeza de aterrar na rua que conduz à capela e desembarcar algumas munições, o furriel Reis e um cabo cipaio que orientaram a defesa. Eram 06h10.

Refeitos da surpresa os bandoleiros acorrem ao local e o piloto só tem tempo de meter motor e deslocar contra a chusma atacante.

É nesse momento que entra em acção o PV2 do então tenente-coronel Diogo Neto, comandante do Grupo Operacional da Base Aérea 9, de Luanda, que despeja sobre a turba homicida o conteúdo das suas cinco metralhadoras e as últimas bombas disponíveis em «stock»!

Logo de seguida apareceu o T-6 do Aeródromo – Base do Negaje, pilotado pelo tenente Negrão.

Eis as suas impressões após ter aterrado: «No largo dezenas de manchas negras juncavam o chão vermelho; ninguém se mexia.

Depois os valentes de Mucaba, destelharam uma das águas da capela, fizeram sinais, saíram para o largo e vieram até à pista improvisada.

Quando aterrámos, um cheiro tremendo veio até nós. Fomos à Igreja. Desviámo-nos dos cadáveres. A imagem visual que eu tinha construído no ar estava bem incompleta. As feridas enormes, as mutilações, as verdadeiras dimensões do quadro, a justa proporção da verdadeira tragédia. Não havia feridos. Um menino preto aleijado, dois homens esgotados, fizeram-nos companhia no regresso».

As «asas de Cristo» libertaram Mucaba do seu patético pesadelo de 13 horas de inenarráveis momentos de angústia e exaltação pátria. O governador-geral de Angola, Dr. Silva Tavares, enviou uma mensagem aos 30 heróis de Mucaba, que dizia: «acabais de praticar um dos maiores feitos da nossa História; Angola inteira recordará os heróis civis e militares de Mucaba e venerará a memória dos que tombaram no campo da honra. Viva Portugal».

Por mim encontro nos defensores de Mucaba os herdeiros da guarnição da fortaleza de Massangano, cujo capitão-mor D. Pedro de Menezes exortava os seus homens no mais acesso do ataque holandês durante a guerra da Restauração dizendo: «as praças de el-rei D. João IV, nosso senhor, não se rendem senão depois de todos mortos».

Este é o espírito que devíamos restaurar e que tanta falta nos faz hoje em dia.

Resistência de Mucaba

Sobreviventes no exterior da capela

Enfermeiro Vicente Muanza
Agente sanitário Martins
Amanuense Miguel António
Cozinheiro Viegas
Ajudante de cozinha Eduardo
Carpinteiro Joaquim dos Santos
Cipaio Paulo Camuanda

Sobreviventes no interior da capela

Abel Arlindo Vicente
Abílio Dias
Adelino Afonso
Luís Alexandrino
António Nunes Madeiros
António dos Santos
António Serafim Brás
Domingos José Brás
Eduardo Teixeira
Hermínio Carvalho de Sena
João Madeira Jerónimo
Joaquim Dias
Joaquim Silvestre
Jorge de Oliveira
José Dias Duque
José Nunes Jerónimo
José Melo Morais
Manuel António Farinha
Manuel de Oliveira
Silvino Alves
Teófilo de Almeida

Mortos

Cabo de cipaios Sebastião Malunjo
António Aurélio
António da Costa Fernandes
Luís Ribeiro
Esposa do carpinteiro Joaquim dos Santos
E sua filha de três anos
Eugénio dos Santos Veríssimo
Cláudio de Almeida
Joaquim da Silva Ramos
José Alves Moreira
José Baptista


Fonte: «Mucaba» – uma certidão narrativa do coronel Augusto Soares de Moura
(edição do autor) 2001.






Em defesa do Colégio Militar


Francisco Rodrigues dos Santos, 14 de Abril de 2016

O relativismo moral deste tempo abriu uma fenda que destacou, em dois campos opostos, os que sentem apego e confessam os valores absolutos, adquiridos consuetudinariamente pela axiologia civilizacional e que foram transpostos para a organização da sociedade; contra os vendilhões das novas ordens, que proclamam o progressismo serôdio e a modificação das normas, ao passo que apresentam a modernidade como arte de destruição das molduras éticas conhecidas.

À velocidade sôfrega a que se procura impor a força da mudança, sem que dela possamos duvidar ou desconfiar, sob pena de nos tomarem por imobilistas datados ou retrógrados inveterados, vão sucumbindo gélidas as tradições e institutos comunitários, corrompem-se as convenções clássicas e embarga-se a essência das coisas.

O vanguardismo liberal, moldado em peça quadrada, insiste em encaixar-se violentamente num buraco redondo. A peça não joga com o molde, mas algum há-de ceder aos estragos provocados pelo confronto. Assim prossegue a ideia do novo tempo, enxaugada numa lógica de utopia revolucionária, erigida sobre esgotamento das causas comuns, na ultrapassagem (pela esquerda) da fidelidade às convicções, na abolição da constância no modo de vida, e na caducidade da moderação, que tempera o gradualismo no sentido da evolução para que se evitem rupturas.

Percebemos que o espírito que preside a esta era é o da transformação abrupta e radical – e não o da valorização do consolidado e a sua merecida protecção – o que se torna evidente através da barbárie perpetrada contra quem não esteja em harmonia com esse desiderato. É urgente decretar um igualitarismo estéril entre tudo e todos, num golpe uniformizador que planifica as escolhas. O exercício de governo é a ditadura das minorias, num refluxo do politicamente correcto, não sendo admitidas excepções ao guião.

O princípio é o de que a realidade natural é dinâmica e maleável, por isso impõe-se que seja trabalhada indiscriminadamente pelas mãos de um único artesão; ao contrário, o seu produto é majestático e irredutível. Resulta claro o paradoxo do pós-conservadorismo ultra conservador. De facto, os liberais de hoje serão os conservadores de amanhã.

O ódio de estimação ao Colégio Militar (CM) voltou a destilar-se às golfadas. Mais do mesmo, porque ainda falta matá-lo.

A má convivência de alguns quadrantes políticos com o CM é um problema crónico, não é circunstancial. É uma contenda ideológica profunda, porque ele representa uma expressão da liberdade (de aprender e de ensinar), cuja pedagogia é invulgar e distinta na oferta estatal. É uma querela doutrinária, que encontra guarida numa corrente anti-militarista disfarçada, que tem como eixo estratégico a abolição por inutilidade das forças armadas e dos seus estabelecimentos militares de ensino. É um caso de intolerância, uma vez que o contraditório não admite a pertinência da sua existência. É um vaticínio do preconceito, já que condena à excomunhão os seus alunos.

A matriz fundadora desta Casa bicentenária é vista como démodé, de um obsoletismo que enjoa e entedia os visionários do futuro. O CM é um anátema para os que queimaram o velho código de conduta e o substituíram por uma tábua rasa, qual prancha com que surfam as ondas da demagogia e do populismo.

O CM repela e indigna, porque não é como as outras escolas – e a sua riqueza reside precisamente neste facto; porque estende a sua missão e metodologias educativas para além dos muros dos conhecimentos técnico-científicos; porque é um acervo de valores perenes a que todos os dias se limpa o pó; porque cultiva o amor a Portugal; porque tem como lema Servir e como divisa Um por Todos, Todos por Um; porque a disciplina é autêntica e dignifica as hierarquias; porque ensina o institucionalismo aos estudantes, para que compreendam que não pertencem única e exclusivamente a si próprios, isto é, os seus actos têm reflexos na Casa que representam; porque a camaradagem é regra sagrada no relacionamento; porque compensa o mérito e o esforço, condenando o laxismo e o comodismo; porque premeia a assunção das responsabilidades e a firmeza com que se aceitam as suas consequências; porque repudia a violência, a delapidação e o despotismo, admoestando-as com sanções adequadas; porque personifica a liderança pelo exemplo; porque faz da modéstia e da confiança instrumentos de gestão dos êxitos e das dificuldades; porque prova que não há outro caminho que não seja o da generosidade e o da prática do bem.

É ao arrepio destes cânones que muitos se levantam e fazem ouvir a sua voz discordante, considerando-os ultrapassados, de terem caído em desuso e prescrito no antigamente, acusando a sua transmissão aos mais novos de constituir uma enormidade grosseira de tão afirmativa que é.

É esta declaração de princípios que vale a reputação do Colégio Militar e mais nenhuma outra que lhe queiram maliciosamente enxertar. É sobre ela que deve recair o julgamento da Instituição. O chumbo destes valores revela mais sobre quem os avalia negativamente do que quem os pratica.

O Colégio Militar é uma Casa de inclusão, interclassista, albergue de várias nacionalidades, raças e religiões, um espaço de partilha, em que a farda é condição de igualdade entre pares, lugar onde se pratica a solidariedade entre camaradas. Não há espaço para a discriminação de qualquer espécie ou natureza.

A homossexualidade, especialmente numa Escola em regime de internato, que forma alunos dos 10 aos 18 anos, é um fenómeno susceptível de provocar alguma confusão, embaraço e/ou constrangimento, em mentes de crianças e jovens de ambas as orientações sexuais. O CM, pela sua organização, está habilitado a responder de forma competente e eficaz, prevenindo que as relações humanas se degradem, em benefício do colectivo e salvaguardando o seu normal funcionamento.

Não queiramos situar o CM à margem da Constituição, cujos militares que o dirigem juraram defender. Olhemos sim para a galeria de honra dos homens distintos e patriotas que lá receberam a sua formação e que se distinguem nos diversos sectores da sociedade. Eles são o produto da oficina da humanidade que Portugal deverá ter a honra de manter. Da minha parte, continuarei a ostentar na lapela do casaco a barretina do Colégio Militar com incomensurável orgulho.





sexta-feira, 15 de abril de 2016


Ex-alunos do Colégio Militar são sempre gente

com outra postura perante o dever e a sociedade


Luís Campos e Cunha, Público, 13 de Novembro de 2009

A ideia de que a natureza tem horror ao vácuo fazia parte da física na Idade Média. Mas esta lei do horror tem corolários na vida actual: os políticos incompetentes têm horror a novas caras nos partidos; os escroques têm horror a uma justiça que funcione; e, do mesmo modo, os bons investidores têm horror a uma justiça que não funciona. E podíamos continuar, mas vem tudo isto a propósito das notícias recentes sobre o Colégio Militar.

Devo declarar que não frequentei o colégio, embora com pena minha, porque o meu pai entendeu que eu poderia ser seduzido pela vida militar e para tal bastava ele. O meu irmão esteve no colégio, por circunstâncias familiares extremas, não se deu bem, e saiu ao fim de dois anos, se bem me lembro. Não tenho, portanto, especiais ligações ao Colégio Militar (CM) mas tenho muitos amigos (e dos bons) que por lá passaram.

As recentes notícias dão uma ideia do colégio como uma escola de sevícias e de maus tratos. Problemas de maus tratos em escolas sempre existiram e devem ser combatidos com determinação pelas autoridades da escola em causa, mas não faz da escola uma instituição a fechar. Lembro-me bem de, há uns anos na minha faculdade, terem ocorrido praxes indignas das nossas caloiras e imediatamente o director de então tomou medidas para que tal não voltasse a acontecer. E não aconteceu. O CM não é excepção, mas o que está em causa é uma tentativa de fazer desaparecer uma das instituições mais antigas de ensino na Europa com uma longa tradição de serviço ao País.

Recordo, com alguma tristeza, que uma das «regalias» de um militar morto em combate em África era os filhos terem educação gratuita no CM. Por esse facto e por as pensões de sobrevivência serem, à época, absolutamente miseráveis (recordo-me de casos concretos), havia sempre vários órfãos no Colégio. Fazia parte das obrigações dos graduados (ou seja, alunos finalistas do CM) terem não só uns ratas (alunos caloiros) como seus protegidos mas também cuidarem dos dramas de algum aluno cujo pai tivesse morrido. Quem conhece ex-alunos do Colégio sabe que têm uma organização e uma coesão ímpar em qualquer outra escola. Falam do colégio com saudade e têm um respeito pela instituição como ninguém tem da sua escola. Nela se fizeram amizades que perduram para toda a vida e alguns dos meus melhores amigos são ex-alunos do CM e devo confessar que são sempre gente com outra postura perante o dever e a sociedade.

O Colégio Militar dá educação em sentido pleno do termo. Tem um ensino de excelente qualidade e dá quadros de valores que nenhuma outra escola garante.

Em 1975, numa acção de dinamização organizada para os alunos do colégio por gente afecta ao PCP – Varela Gomes, Faria Paulino e outros – começaram a atacar a instituição e a apelidarem os alunos de príncipes privilegiados.

Um aluno dos mais novos, ou seja com uns 11 anos, levanta-se e calmamente diz que é filho de um oficial que morreu em combate, que se não fosse o colégio não poderia estudar e não percebia onde estava o príncipe. Os protestos generalizaram-se (teve lugar uma gigantesca boiada, usando a terminologia do CM) e a comissão de dinamização foi forçada a sair pela porta dos fâmulos – porta de serviço – e não pela porta principal. Foi o enxovalho total, apesar de os oficiais tentarem, em vão, acalmar os alunos. É gente de fibra.

Aliás sempre foi assim. Faz parte da sua história mais antiga que quando teve lugar o atentado a Sidónio Pais gerou-se, naturalmente, o pânico entre a população e as unidades militares ajudaram à turbamulta. A única unidade que manteve a calma, ajudou a população e evitou mais mortos foi exactamente uma unidade do Colégio. Portanto, a tradição vem de longe.

O ensino tem uma qualidade excepcional e que não é possível sem um internato, onde os laboratórios de línguas e as salas de estudo estão ao lado do picadeiro e da sala de esgrima. Qualquer pai, cá fora, que tente dar a mesma formação passaria o tempo a servir de motorista do filho. É, aliás, uma tradição muito antiga dos melhores colégios ingleses.

Como professor na universidade, sempre que tenho conhecimento de que um aluno meu veio do CM, posso testemunhar o aprumo, o à vontade, a auto-confiança e o profissionalismo com que está numa aula. Tudo isto, em flagrante contraste com os colegas, especialmente os mais betinhos.

Além disso, como os alunos são tratados por igual, têm um número (que vem antes do nome), andam vestidos com farda e os filhos de pais ricos não se distinguem dos filhos de pais pobres. Também por isso, o convívio democrático hierarquizado é a regra. Ainda bem.

O contraste é gritante com o que se passa nas nossas escolas. E a anarquia, quase geral em que vive o ensino secundário, tem horror ao Colégio Militar, obviamente. Aliás, a verdade é mais funda: a anarquia quase geral da nossa sociedade tem horror à Instituição Militar. Uma instituição organizada, como a militar, que cultiva os valores da honra, da camaradagem, da disciplina e do dever para com a Pátria, não pode ser bem vista pela sociedade actual. A nossa vida colectiva – a civil – privilegia o oportunismo, habituou-se aos casos de corrupção (com ou sem fundamento), tem uma imprensa virada para o escândalo e uma televisão com novelas que são difusoras da falta de valores e da ausência dos bons costumes.

O Colégio Militar poderá acabar mas as razões estão na nossa sociedade e não dentro dos muros do colégio. O horror à decência é dos indecentes.






Carta aberta ao senhor MDN


Garcia Leandro, Diário de Notícias, 12 de Abril de 2016

Senhor ministro,

Gostaria de escrever uma carta aberta a elogiá-lo e tive esperanças no início das suas funções com o cuidado que teve nas suas declarações, bem como com o conhecimento que demonstrou de algumas situações macro. Infelizmente o processo que terminou com a saída do general chefe do Estado-Maior do Exército (CEME) foi de uma total infelicidade.

Durante este período fui contactado por todas as cadeias de TV para fazer comentários sobre o tema e a todas recusei para evitar ser injusto ou por não conhecer tudo, mas agora a situação é diferente.

Vamos por partes:

  • o artigo do Observador é bom e as declarações do subdiretor do Colégio Militar (CM) não envolvem qualquer ilícito, embora tenha entrado em detalhes desnecessários;
  • a partir daqui, e sem qualquer razão, surgem acusações de declarações e procedimentos inconstitucionais que não aconteceram e deturpa-se a realidade. Eu explico porquê:
  • quando se citam as Forças Armadas e os militares como base de comparação comete-se um erro de grande ignorância; os alunos do CM não são militares, cadetes ou soldados, são apenas estudantes (crianças e adolescentes) integrados numa instituição com dupla ligação (ao Ministério da Educação em tudo quanto diz respeito à componente académica e ao Estado-Maior do Exército/Ministério da Defesa Nacional nas suas outras componentes, institucionais, desportivas e militares);
  • Estes alunos não são adultos e obviamente que estão ainda em formação física, intelectual, comportamental e de carácter; aquilo que a Constituição declara sobre comportamento sexual de qualquer cidadão não se pode aplicar de modo cego para estas idades. Daí que o CM tenha procedimentos de acompanhamento que são de elogiar e principalmente apreciados ao longo dos anos pelos pais; estes procedimentos protegem cada caso individual e o funcionamento institucional.

Durante estes dias falei com vários pais e todos apoiam o procedimento do CM, tendo a respectiva associação feito uma declaração de que ali não existe qualquer discriminação; por aqui estamos clarificados.

Acontece que V. Ex.ª se assustou, sem qualquer razão, com as declarações do BE, tratou do assunto nos OCS órgãos de comunicação social e pressionou o general CEME para tomar decisões em área da sua exclusiva responsabilidade; claro que qualquer general sério e que mereça tal designação, sendo ainda o n.º 1 do seu ramo, teria tomado a mesma decisão que o general Carlos Jerónimo, que saiu engrandecido de toda esta triste novela.

Termino, propondo que tire as devidas lições, pois se voltar a repetir este procedimento com outros CEM chefes de Estado-Maior, é provável que saia o ministro em vez do CEM em causa.

Lamento ter tido a necessidade de escrever este texto, mas havia a necessidade de colocar tudo no seu devido lugar.


Tenente-general (R)