BLOGUE DA ALA DOS ANTIGOS COMBATENTES DA MILÍCIA DE SÃO MIGUEL

segunda-feira, 30 de março de 2015


Acidente da Germanwings:

impotência e humilhação colectiva


Pedro Afonso

De acordo com as informações disponíveis, a queda do Airbus 320 da Germanwings na região nos Alpes, em que morreram 150 pessoas, terá tido origem num acto deliberado do co-piloto Andreas Lubitz. O jornal alemão Bild avança a informação de que Andreas Lubitz terá recebido tratamento psiquiátrico há cerca de seis anos por apresentar sintomas de depressão profunda. Estas informações levantam a possibilidade de existir uma doença psiquiátrica grave por detrás deste acto aparentemente suicida.

Embora tenhamos de ter a devida reserva por não conhecermos os factos na sua totalidade, o acidente é suficientemente grave para merecer algumas reflexões. Em primeiro lugar, este acidente levanta a questão dos riscos das doenças psiquiátricas no mundo laboral. Um relatório recente, publicado este ano pela OCDE, revelou que cerca de 20% da população em idade activa sofre de uma doença mental a qualquer momento e uma em cada duas pessoas (50%) vai sofrer um período de má saúde mental durante a vida.

Quando um indivíduo sofre de depressão grave e continua a exercer a sua actividade profissional sem o acompanhamento adequado, esta situação pode ser particularmente perigosa e sensível em determinadas profissões, como é o caso dos pilotos de aviação, agentes de segurança, militares, etc. Um dos perigos reside no risco de suicídio. Cerca de dois terços das pessoas que cometem suicídio sofrem de depressão. Além disso, no caso de o indivíduo sofrer de depressão, o risco de cometer suicídio é cerca de 21 vezes superior à restante população.

Mas como é que se podem detectar estas situações em profissões de risco? Contrariamente ao que tem sido referido por alguma comunicação social, a depressão grave não é uma «doença psicológica» que pode ser facilmente detectada por testes. A depressão grave é uma doença orgânica que provoca muitas alterações fisiológicas, atingindo o cérebro e outros órgãos, e que afecta a capacidade de sentir, pensar e agir. O seu diagnóstico é clínico — já que não existe um exame específico —, não podendo ser efectuado por testes psicológicos. No entanto, estes testes podem ajudar a seleccionar os candidatos a pilotos, identificando alguns factores de risco para vir a sofrer de doenças mentais, nomeadamente associados à personalidade, mas não diagnosticam propriamente doenças psiquiátricas.

Por que será que um indivíduo se suicida e decide matar juntamente consigo uma série de pessoas inocentes? A resposta a esta pergunta é difícil, mas sabemos que existem doenças psiquiátricas graves, embora raras (por exemplo, a depressão psicótica), nas quais o indivíduo pode apresentar sintomas psicóticos, mais concretamente ideias delirantes de conteúdo niilista. Neste caso, a pessoa pode acreditar que tudo acabou, a esperança desaparece e não há futuro; portanto, está convicta de que não existe solução para o sofrimento que se tornou insuportável, julgando ainda que os outros se encontram na mesma situação. Assim, este acto homicida é visto pelo próprio como um acto de compaixão. É o chamado «homicídio oblativo ou piedoso», já que o indivíduo considera (erradamente) que ao matar os outros está a ter um gesto de misericórdia.

Que factores na área da aviação podem contribuir para o aumento das doenças psiquiátricas? Um dos aspectos que se encontram relacionados com este tema diz respeito ao stresse profissional. Esta situação pode dar origem a uma autêntica doença ocupacional (burnout) que ainda é muitas vezes ignorada pelos vários responsáveis. Com frequência surgem queixas, por parte dos pilotos e restante tripulação, de que a carga horária é excessiva e que nem sempre são respeitados os intervalos de descanso. Aparentemente, este fenómeno tem vindo a aumentar, já que a competição entre companhias de aviação é enorme, e a tentativa de reduzir ao máximo os custos tornou-se uma obsessão dos gestores. O incremento do stresse profissional pode aumentar o risco de aparecimento de doenças psiquiátricas e com isso colocar em causa a segurança.

Esta recente tragédia veio trazer para o debate público a questão da segurança na aviação. Para além disso, deveria também alertar para o aumento das doenças psiquiátricas no mundo do trabalho e para a importância que se deve dar à saúde mental, independentemente da profissão. Este é um assunto complexo para o qual não existem soluções fáceis. Seja como for, há que criar condições para prevenir e detectar estas situações o mais precocemente possível, evitando-se as consequências terríveis que um aparente suicídio como este acarreta, levando à morte 150 inocentes e gerando um sentimento de impotência e de humilhação colectiva.


NOTA DA REDACÇÃO

As estatísticas sobre as doenças mentais aqui apresentadas pecam por defeito dado que o gangue dos invertidos conseguiu que a sua doença fosse retirada da lista das doenças psiquiátricas. Não é doença, é opção do «género»...





sábado, 28 de março de 2015


Comportamentos (militares e civis) insólitos,

num país insólito


João José Brandão Ferreira Oficial Piloto Aviador

«O que não funciona vai
dando para o que não existe.»
Autor desconhecido

A frase expressa na introdução do seu último livro, pelo professor Cavaco Silva, defendendo que o seu substituto na Presidência da República tivesse experiência em política internacional, provocou uma pequena tempestade política num copo de água. Não devem ter mesmo mais nada para fazer.

Vejamos, a afirmação em si, é de uma evidência cristalina e simultaneamente confrangedora, não representando qualquer ideia política original, pensamento profundo sobre qualquer assunto ou decisão que possa influir seja no que for.

É aquilo que em termos científicos se poderia designar por «vulgaris de Lineu» e na gíria castrense, de «generalidades e culatras».

Mas logo vários pelotões de políticos e comentadores vislumbraram na oração presidencial, intenções capciosas sobre os putativos candidatos ao cargo e sei lá que mais maquiavélicos pensamentos. Não há pachorra.

Lembramos que a extraordinária lei eleitoral de que usufruímos, apenas impõe a um eventual candidato que seja português (até ver) e que tenha mais do que 35 anos. Não exige mais nada (nem sequer um registo criminal limpo), a não ser 7 500 assinaturas de pessoas que devem estar assaz preocupadas se os candidatos que apoiam sabem alguma coisa de política externa….

Ofereço uma ideia: optem por ter um rei, que além de ter de saber dessa matéria, tem o problema da sucessão resolvido!...

Um a zero na imbecilização do povo.

*****

O ministro da Defesa fez um despacho em que delega cerca de 90% (ou será mais?) das suas funções ao alvedrio da sua secretária de Estado.

Porque o fará?

Para que é preciso então, um ministro?

Já se sabia das preocupações que Sua Ex.ª tem com o governo da sua firma de advogados (e eu a julgar que uma coisa seria incompatível com a outra, até em termos de disponibilidade), mas que diabo alguma coisa há-de ter para fazer no edifício do Restelo. Será que necessita do seu precioso tempo para outras actividades, agora que se aproximam épocas eleitorais?

Ou trata-se apenas de passar a assumir publicamente a importância que dão à Defesa – que se resumiu sempre e apenas, às Forças Armadas – e que agora como estas estão a caminho da exaustão, atira-se-lhes com um «para quem é, bacalhau basta»?

Se assim for, porque poupa na austeridade e não desaparece de vez, leva a Dr.ª Berta consigo e designa um director geral com o título de «Presidente da Comissão Liquidatária»?

Não entenderá que é mais honesto e consentâneo?

Dois a zero, na tal imbecilização.

*****

Um conselheiro de Estado perdeu (depois de ter recorrido para a Relação), um processo que intentou em tribunal contra um cidadão por se sentir difamado por ter intuído que lhe tinham chamado traidor à Pátria, por alguns factos ocorridos no seu passado já longínquo. Continua, porém, conselheiro de Estado, apesar do assunto ser pouco conhecido no país, já que a comunicação social praticamente não fez eco do que se passou.

Felizmente que o julgamento terminou desta forma, senão os cerca de um milhão de compatriotas, mobilizados nas últimas campanhas ultramarinas (o caso tem a ver com este conflito) ficava em maus lençóis por não terem seguido o exemplo em causa. Podendo inferir-se até, que seriam eles os traidores…

Mas não se tendo, por douta sentença, seguido este caminho, ficam as perguntas seguintes: porque é que as autoridades do país, na altura (referimo-nos ao pós 25 de Abril de 1974) consubstanciados na Junta de Salvação Nacional e no Movimento das Forças Armadas, não «arrecadaram» os que se tinham portado como o queixoso para os julgarem sobre o que tinham feito, como se fez, por exemplo, com alguns daqueles que foram na Legião Portuguesa lutar nas hostes napoleónicas, em 1807?

E como se permitiu, depois deste «pecado original», que a pessoa em causa e muitos outros, ocupassem altos cargos em órgãos de soberania?

E como é que se permite que um cidadão nestas condições (mesmo que eventuais crimes já tenham prescrito) se possa candidatar ao mais alto cargo da Nação?

Porque não existe qualquer censura social e quase toda a gente lhe aperta a mão?

Três a zero, a aumentar a imbecilização do povo.

*****

Quase clandestinamente o parlamento votou a favor da ida de Eusébio da Silva Ferreira para o Panteão Nacional.

A coisa foi feita algo envergonhadamente e quando nada o faria supor.

Pudera, depois do «pai da democracia», cheio de verdete por o «Pantera Negra» nunca ter dito mal do professor Salazar, o mais apropriado que achou por bem dizer, após o passamento do ídolo do futebol, foi tentar achincalhá-lo com um «bebia whisky ao pequeno-almoço», que se poderia esperar?

Lamentavelmente nada de institucional existe para definir quem tem direito a dormir o sono eterno no antigo templo de Santa Engrácia, ficando tudo à mercê das maiorias parlamentares do momento.

Será até curioso, um dia ver o que acontece quando se der um movimento para tirar de lá alguém…

Mas o que gostaríamos de focar nesta crónica é, tão só, uma notícia veiculada nos órgãos de comunicação social, e com origem, ao que se sabe, num deputado do PSD, que comentando a novidade – que alguns órgãos de comunicação social propalaram acriticamente – saiu-se com esta tirada digna de Horácio, Tucídides, quiçá, Virgílio: «Eusébio é o primeiro português que vai para o Panteão e que não nasceu em Portugal»!

Gostaram?

Então nasceu onde, pode-se saber? Lourenço Marques, capital de Moçambique, onde chegámos em 1497, e que fez parte de todas as Constituições portuguesas desde 1822, era território pária? E ninguém esfrega um pano encharcado no «fácies» destes broncos?

Quatro a zero na imbecilização do povo!

******

A Escola Secundária «C+S de Cascalhais de Baixo» está com o ar condicionado avariado há um mês. Resultado, manifestação de professores e alunos à frente da escola sendo, amiúde, os portões da dita cuja fechados a corrente e cadeado; cinco minutos de imagens nas televisões (todas à excepção do 2.º canal); os comentaristas espraiam-se em voluptuosa verve; clama-se para que o ministro da pasta respectiva se apresente no parlamento, a fim de ser interpelado (às vezes ele vai) e, não raro, se pede a demissão do chefe do governo; chovem acusações de que o Presidente da República não tem opinião sobre coisa alguma, (aliás, quando ele fala, é o que se sabe…).

Os exemplos podiam multiplicar-se por «ene factorial» (N!).

Em contrapartida, a Força Aérea, a Marinha e o Exército – este último consegue bater os outros dois aos pontos – estão numa situação dramática, com falta de tudo, sem verba para se sustentarem, sem pessoal, com os equipamentos (que restam) quase todos parados e não há uma voz neste país (as das associações militares ouvem-se baixinho), que exale um «ai» de preocupação a começar pelas chefias militares que quando abrem a boca é para exprimirem um ar de «tranquilidade».

Deve ser por ser segredo de Estado, não vá o inimigo dar-se conta!...

No fim do reinado do rei, Senhor D. João V – e não se podia alegar então, haver falta de verba – os sentinelas chegavam a pedir esmola à porta dos quartéis.

Deve ser por isso, que agora, os estão a substituir por empresas de segurança…

N! a zero na imbecilização do povo





quinta-feira, 26 de março de 2015


«Podemos»:

A ascensão da extrema-esquerda espanhola


José Filipe Sepúlveda da Fonseca, Arautos d’El-Rei

A menos de um ano da realização das eleições gerais em Espanha, é do conhecimento do público que o recém-criado partido de extrema-esquerda PODEMOS regista actualmente uma intenção de voto expressiva. A eventual vitória deste partido nas próximas eleições gerais poderia alterar radicalmente o panorama político, relegando para segundo plano os partidos tradicionais, ou seja, o Partido Popular e o PSOE.

Muito se tem falado da subida do PODEMOS nas intenções de voto, mas pouco se tem dito acerca das origens e da agenda deste partido que pertence à mesma família política do Syriza (Grécia), do Bloco de Esquerda e do Partido Livre.

Na imagem: Lenin (1870-1924), Stalin (1879-1953) e Pablo Iglesias.
O líder do PODEMOS identifica-se com os líderes comunistas russos
e com os seus métodos sanguinários, tendo já afirmado inclusivamente
que a guilhotina é um «instrumento da justiça democrática» para neutralizar
os opositores da ideologia socialista. Saiba mais
 
aqui.

A imagem que o PODEMOS tenta passar para a opinião pública é a de um partido que nasceu de forma natural em resultado do descontentamento de amplos sectores da sociedade espanhola com os partidos dominantes nas últimas três décadas.

Se dedicarmos algum tempo à leitura da imprensa internacional, apercebemo-nos que a realidade é bem diferente daquela que o PODEMOS quer transmitir.

No dia 26 de Fevereiro foi publicado na versão espanhola do Wall Street Journal um artigo sobre a ascensão do PODEMOS e o modelo que este partido quer aplicar em Espanha.

O artigo refere que os politólogos que lideram o PODEMOS, Monedero, Pablo Iglésias, e Iñigo Errejón, foram os três assessores do regime de Hugo Chávez, tendo aproveitado o que sobrou das manifestações ocorridas durante a crise financeira de 2011 em Espanha para criar a base de apoio e de actuação do PODEMOS.

Ou seja, a agenda do PODEMOS obedece à agenda da esquerda radical internacional, nomeadamente da América Latina.

Pode ler-se no artigo que Juan Carlos Monedero, um dos líderes do PODEMOS, afirmou há alguns anos, na presença de Hugo Chávez, que a Venezuela é uma referência de revolução socialista.

Ora, quatro anos após a morte de Hugo Chávez a Venezuela está imersa num profundo caos económico e social, a par de uma forte repressão aos opositores políticos do regime chavista.

É mencionada ainda uma afirmação do embaixador da Venezuela em Madrid, Mario Isea, perante os legisladores do seu país, e que reflecte bem as metas do PODEMOSPODEMOS poderia tornar a Espanha num «forte aliado da Venezuela» e «uma plataforma de difusão», na Europa, do chavismo, da ideologia socialista e antiamericana levada a cabo na Venezuela por Hugo Chávez e pelo seu sucessor Nicolas Maduro.


Antes de terminar, refiro alguns dos objectivos políticos do PODEMOS caso venha a formar governo em Espanha:

1) Fixação de um salário mínimo e máximo, não superior ao salário médio do país, tanto nas empresas públicas como privadas.

2) Proibição de despedimentos em empresas com lucros.

3) Participação dos trabalhadores nos conselhos de administração.

4) Não pagamento da dívida pública que considerem ilegítima.

5) Criação de uma banca pública e controlo público das empresas privadas, com mais de 50% do capital social, nos sectores estratégicos (telecomunicações, energia, alimentação, transportes, saúde, farmacêutico e educativo). Expropriação das grandes propriedades agrícolas que passarão para gestão colectiva.

6) Redução das despesas militares e referendo para a saída da Espanha da NATO.

7) Fim das políticas antiterroristas e de segurança dos cidadãos que violem a liberdade de expressão, manifestação e protesto.

8) Planeamento democrático de uma economia ecológica ao serviço da satisfação das necessidades básicas do conjunto da humanidade.

9) Suspensão dos acordos de comércio com os EUA e intensificação de acordos com países da América Latina, do Magrebe e do Sul da Europa.

Numa palavra, com a implementação desta agenda radical de esquerda em Espanha, não seriam apenas a sociedade e os empresários espanhóis a sofrer as graves consequências de um enorme retrocesso político, económico e social. Portugal iria sentir também e de forma muito grave, um forte retrocesso económico dadas as importantes relações económicas que tem com a vizinha Espanha.





terça-feira, 24 de março de 2015


A escolha dos políticos


João José Brandão Ferreira Oficial Piloto Aviador

«O que é medido aparece feito»
Aforismo popular

O «recrutamento» e escolha dos políticos que irão ocupar os lugares/funções, sobretudo os de maior responsabilidade, nunca mereceram, desde os alvores desta III República, a mais pequena consideração.

Tudo se baseia na sacrossanta teoria jacobina do voto, que é o alfa e o ómega do actual sistema.

E vota-se em quem? Pois vota-se naqueles cidadãos que se filiaram nos partidos políticos autorizados (e sobreviventes) e nalguns independentes (muito poucos) que furam a ditadura partidária e, ou, naqueles que as chefias dos partidos, por interesse seu, vão cooptar como «independentes».

Melhor dizendo, o cidadão «ovelha» está limitado a votar nos atrás apontados, e apenas naqueles que, escolhidos pelas chefias partidárias, se apresentem a escrutínio.

É possível fugir a isto, sobretudo nas eleições autárquicas e presidenciais, mas a lei está feita de modo a beneficiar largamente os partidos políticos – uma das piores «invenções da Ciência Política – e a dificultar a vida a tudo o resto.

Ou seja, vivemos não numa democracia, mas sim numa partidocracia, onde a pedra de toque é o dinheiro, ou seja uma plutocracia (o PC que não refile, pois aparenta ser o partido com maior soma de cabedais, de todos os existentes).

Bom, para já não falar na nula selecção existente, para que um qualquer cidadão possa ser admitido num partido político.

Ou seja, no limite, podemos até ter um partido, apenas constituído por uma colecção de bandidos de várias estirpes…

É como se nos concursos para médicos, militares, diplomatas, etc., ninguém tivesse que prestar provas!

Ora a política devia ser encarada como uma das actividades mais nobres da «Polis», para a qual deveriam concorrer, ou ascender, os cidadãos mais bem preparados para o efeito, pois a sua acção vai afectar a vida de todos, ou de uma grande parte da comunidade e a do próprio país.

Mas todo o mundo tem encarado tudo isto de ânimo leve e agora diz-se que a Europa não tem líderes, muito menos estadistas…

A piorar as coisas, nenhum escrutínio, a não ser a demagogia das campanhas eleitorais – que, em boa verdade, só baralham as coisas e as pessoas – nada mais é exigido aos candidatos em função dos lugares a que concorrem.

Ser político é, pois, a única actividade que está para «além» de qualquer profissão, para a qual não é necessário apresentar currículo, habilitações profissionais, idoneidade, ou prestar qualquer tipo de provas, ou sujeitar-se a quaisquer regras.

O exemplo mais flagrante disto é a da candidatura a Presidente da República, para o que é necessário apenas ter mais de 35 anos e reunir 7 500 assinaturas!

Este estado de coisas representa e configura, uma situação irresponsável, confrangedora, que não serve a comunidade, mas apesar de entrar às escâncaras todos os dias em nossas casas, tem sido encarado como um assunto tabu.

Deve ser por isso que o treinador Jorge Jesus e outros colegas do mesmo ofício, têm mais tempo de antena, do que todos os políticos juntos.

Ao menos é suposto e intuído, que eles devem saber alguma coisa do que falam.

E falam.

E falam.





domingo, 22 de março de 2015


Lembram-se da Crimeia?


Kirsty Hayes, Embaixadora do Reino Unido em Portugal,

Público, 19 de Março de 2015

A nossa posição é firme – a anexação da Crimeia é inaceitável e continuaremos a defender os nossos valores através das sanções que penalizam os responsáveis por retirar a Crimeia à Ucrânia.

Há um ano, o Kremlin ajudou a encenar um «referendo» ilegítimo e ilegal na Crimeia, que culminou com a anexação deste território pela Rússia à Ucrânia, redesenhando o mapa da Europa, pela força, agravando a crise no Leste da Ucrânia.

O chamado referendo, preparado à pressa em apenas duas semanas, serviu apenas para ridicularizar a democracia. Não esteve presente um único observador internacional independente. Em vez disso, tropas russas de elite (os «homenzinhos de verde», como os habitantes locais lhes chamaram) impuseram a vontade do Presidente Putin. Não devemos ter ilusões sobre a origem destes combatentes. O seu equipamento, sotaque e treino, provam que eram russos, ainda que não usassem qualquer insígnia.

No período que antecedeu o chamado referendo, as estações ucranianas de televisão terrestre foram encerradas na Crimeia; e quem levantou a voz contra a ocupação militar russa foi alvo de ameaças e intimidação. Desde então, várias pessoas desapareceram e outras foram encontradas mortas, uma delas com sinais de tortura.

Tudo isto foi feito sob a alegação infundada dos dirigentes russos de que os direitos dos falantes de russo na Crimeia estariam sob ameaça de Kiev. Este estratagema cínico não tem, nem teve, qualquer credibilidade. Na verdade, Vladimir Putin admitiu na semana passada, numa entrevista, ter planeado a anexação da Crimeia antes do pseudo-referendo ter tido lugar. Nessa altura, ele dizia à comunidade internacional que não se colocava a hipótese de anexar a Crimeia, e negava a presença de tropas russas. Sabemos que nunca houve qualquer ameaça aos falantes de russo na Crimeia ou em qualquer outra parte da Ucrânia. Pouco antes da anexação, o alto comissário para as Minorias Nacionais da OSCE afirmou não haver «provas de qualquer violência ou ameaças».

Na realidade, os relatórios elaborados pela ONU, pelo Alto Comissariado para os Direitos Humanos e pelo comissário dos Direitos Humanos do Conselho da Europa, deixaram claro que só após a ocupação russa é que os direitos humanos passaram a estar ameaçados na Crimeia. Os efeitos têm sido especialmente sentidos pelas minorias étnicas, tais como a comunidade tártara da Crimeia.

É vital que não se minimize o significado da anexação da Crimeia. As acções agressivas por parte da Rússia naquela zona e em Donbas não são uma ameaça apenas para a Ucrânia, mas para o resto da Europa. Ao anexar um território da Ucrânia, ao violar a sua integridade territorial e ao destabilizar o Leste da Ucrânia através do fornecimento constante de tropas e armamento, a Rússia desafiou a ordem democrática do século XXI fazendo tábua rasa das regras de direito internacional.

Essas acções constituem uma violação flagrante de uma série de compromissos internacionais assumidos pela Rússia, entre os quais a Carta das Nações Unidas, a Acta Final de Helsínquia da OSCE e o Tratado de Divisão sobre estatuto e condições da frota do Mar Negro de 1997, com a Ucrânia. É por tudo isto que a Rússia está isolada no Conselho de Segurança e na comunidade internacional e é essencial que todos os Estados-membros da UE estejam à altura da ameaça que as acções da Rússia representam para os nossos valores partilhados e para a nossa segurança comum. O Reino Unido regozija-se pelo apoio de Portugal neste contexto, condenando inequivocamente a violação da integridade territorial da Ucrânia e rejeitando a atitude de continuada confrontação por parte da Rússia. Valorizamos em especial a contribuição de Portugal para o controlo da segurança naquela região, integrando os seus aviões F-16 na missão de policiamento aéreo da NATO no Báltico.

Entendemos que nenhum país, qualquer que seja a sua dimensão, pode ignorar as normas internacionais sem sofrer consequências. Não podemos aceitar a anexação ilegal da Crimeia pela Rússia como uma nova realidade. Os factos provam que este foi um acto ilegal, a Crimeia continua ocupada e os seus cidadãos estão mais vulneráveis e sofrem as consequências da intolerância russa. A triste realidade é que, se a Rússia não tivesse ocupado a Crimeia há um ano, e forçado o seu povo sob a ameaça das armas, as pessoas na Crimeia poderiam hoje gerir os seus negócios pacificamente, como tinham feito nos últimos 23 anos, sem a intimidação, as dificuldades e o perigo físico resultantes da anexação ilegal pela Rússia.

Há uma saída para esta situação. A Rússia ainda pode retirar as suas tropas da Crimeia e do Leste da Ucrânia, respeitar os seus compromissos ao abrigo dos acordos de Minsk e deixar o povo ucraniano gerir o seu próprio país. Mas, até que isso aconteça, não vamos ignorar o que aconteceu na Crimeia. A nossa posição é firme – a anexação da Crimeia é inaceitável e continuaremos a defender os nossos valores através das sanções que penalizam os responsáveis por retirar a Crimeia à Ucrânia.






Apresentação de livro sobre a Guerra do Ultramar


A pedido da Editora Caminhos Romanos, temos o prazer de lhe encaminhar o convite para a divulgação do livro «KINDA e outras histórias de uma guerra esquecida», a realizar em Coimbra, com a apresentação de D. Miguel de Lencastre e do Autor, o Major Piloto-Aviador Carlos Acabado.

Local: Coimbra

Clube de Oficiais de Coimbra
Rua Antero de Quental
Data e hora: 26 de Março de 2015, 18h00

Contacto

www.caminhosromanos.com

Caminhos Romanos Editora
Rua Pedro Escobar, 90 – R/C
4150-596 Porto

Tel: 220 110 532






sexta-feira, 20 de março de 2015


Socialismo utópico e socialismo científico


Paulo Tunhas, Observador 2015.03.19


As crenças absurdas afectam, ou ameaçam afectar, as nossas vidas, como as de Vasco Lourenço e Varoufakis, e aí é que a porca torce o rabo. Sobretudo quando as querem impor contra a vontade da maioria.

O socialismo, à boa e velha maneira, continua, apesar de tudo, na moda em vários lugares do mundo. E o que não faltam são teóricos esclarecidos para nos demonstrarem a sua urgência. Um deles é Vasco Lourenço, que sonha com uma aliança do PS com o PC, o Bloco de Esquerda e outros partidos fora do «arco da governação», que nos conduza a uma libertação da «mesquinhez» da actual política europeia, como confessou ao Público. «Um estrondoso murro na mesa», como ele diz, é o que é preciso.

Maçonaria utópica
ou maçonaria «cientítica» (calculista)?

Estas declarações foram feitas por ocasião de um congresso na Gulbenkian, significativamente intitulado «Congresso da Cidadania. Ruptura e Utopia para a Próxima Revolução Democrática». Um tão vasto projecto requeria certamente um tão longo título. A revolução precisa de uma rampa de lançamento com a extensão devida, e é até duvidoso que a coisa possa ir para a frente sem um seminário permanente consagrado ao tema. De qualquer maneira, faz-se o que se pode, e Vasco Lourenço, presidente da «Associação 25 de Abril», não se poupou a esforços no texto de apresentação do congresso. Não faltam considerações sobre Portugal se ter tornado um «Estado vassalo» da burocracia de Bruxelas nem sobre a óbvia solução para o «estado a que chegámos»: «uma prática correcta dos valores de Abril» (para esclarecimentos detalhados sobre a «prática correcta», destinados a evitar riscos de práticas incorrectas de valores, contactar o presidente da Associação).

A mim, o que me despertou curiosidade na prosa foi, confesso, a «utopia». No texto de Vasco Lourenço, a palavra aparece, além do título, em duas passagens. Na primeira, a utopia – «uma nova utopia» – viria dar aos portugueses «razões para a esperança num futuro melhor». Na segunda, oferece-se, na medida do possível, um conteúdo concreto para a utopia: «a construção da sociedade de Abril». Desconto o facto de, na prosa do autor, a tal «nova utopia» ser, afinal, uma utopia velha. O que é curioso é o próprio recurso à utopia. É como se esta exigência de socialismo (a palavra não aparece, é verdade, no texto) adoptasse (sem grande consciência disso, quase de certeza) um perfume pré-marxista capaz de comover as multidões e, ao mesmo tempo, permitindo uma oportuna vagueza sobre o que viria depois do «estrondoso murro na mesa». Aposto que não viria nada de muito bom, até porque, bem vistas as coisas, a mesa somos nós, os cidadãos eleitores, não suficientemente esclarecidos em matéria de práticas correctas.

Mas não é muito crível que os desejos utópicos de Vasco Lourenço se venham a realizar a breve prazo. Afinal de tudo, Portugal é uma democracia. Ele que siga o exemplo de um dos mais divertidos utopistas de todos os tempos, Charles Fourier, que esperou pontualmente, durante dez anos, ao meio-dia, nos jardins do Palais Royal, o benemérito que lhe financiaria a construção da Harmonia. Os jardins da Gulbenkian não são tão lindos como o Palais Royal, mas são lindos à mesma e servem muito bem. Pode ser que tenha sorte. Ou então, se as suas finanças andarem particularmente boas, que faça como Robert Owen, que emprestava quantidades extraordinárias de dinheiro ao Duque de Kent (o pai da futura Rainha Vitória) na esperança de que este o pudesse ajudar a transformar a sociedade. Mas com prudência, que as pessoas nesta matéria não são de confiança. Se lhe faltar energia para qualquer destas duas soluções, que poupariam em princípio um estrondoso murro na cabeça dos portugueses, há estímulos possíveis. O jovem Henri de Saint-Simon, por exemplo, fazia-se acordar diariamente pelo seu criado de quarto ao som de «Levante-se, monsieur le Comte! Lembre-se que tem grandes feitos a realizar!». Porque não tentar algo assim?

Quem não precisa desses estímulos, porque a si próprio os administra em doses abundantes, é o nosso já imprescindível Yanis Varoufakis, que além de tudo beneficia do «amor» do estremoso Jean-Claude Juncker (porque carga d'água nos caiu este homem em cima? – razão tinha Cameron). Mas aqui não se trata de um retorno a um perfume utópico pré-marxista. Trata-se antes de uma espécie de ciência pós-marxista. Num texto que o Guardian publicou, e que reproduz uma conferência feita em Zagreb em 2013, Varoufakis expõe as razões pelas quais se tornou um «marxista errático». O epíteto «errático» não merece grande curiosidade, a não ser pela fantástica auto-condescendência e garridice narcísica que revela, até porque em muito pouco tempo nos habituamos a ouvi-lo dizer uma coisa e o seu contrário, a pedir desculpa pelo que fez e a declarar que o que fez não o fez. Mas a história das suas ideias em relação a Marx é explicada com um detalhe que mostra o seu desprezo pelo sábio conselho de alguém (esqueci quem) que notava que o género «História das minhas ideias filosóficas» deveria ser reservado a quem tivesse tido ideias filosóficas.

Os pontos em que Varoufakis discorda de Marx são um lugar-comum da crítica ao marxismo desde tempos imemoriais e os aspectos em que diz ser-lhe fiel são erros ainda mais antigos. A única novidade – relativa, de resto – consiste na adopção de um tom desenvolto e pretensamente cândido que visa antes de mais mostrar as altas dimensões da sua inteligência e que é em parte copiado de Zizek. Por exemplo, Varoufakis não se limita a criticar, numa coisa ou noutra, Marx. Tem de declarar que os erros de Marx o tornam «terrivelmente furioso» com o velho Karl. Se existisse uma máquina do tempo e Varoufakis fosse transportado para a biblioteca do British Museum por volta de 1850, Marx de certeza que era obrigado a fugir. E não só por medo, mas também por não conseguir trabalhar, com o outro sempre a falar.

Um outro exemplo da garridice do nosso autor. Varoufakis declara que bem gostaria de avançar com um programa radical: «abolir o capitalismo europeu, desmantelar a horrível eurozona e sabotar a União Europeia dos cartéis e dos banqueiros da bancarrota». Mas, desejando do fundo do coração o crepúsculo do capitalismo, não quer avançar imediatamente nessa direcção. Porquê? Porque se encontrava em Inglaterra no tempo da ascensão de Thatcher ao poder e, à época, acreditou na veracidade da célebre frase de Lenine: «As coisas têm de piorar antes de melhorarem». Thatcher provocaria uma reacção tão violenta que as forças do Bem rapidamente tomariam o controle da situação. E o que viu foi que, ao invés, a esquerda, em vez de se mobilizar eficazmente contra Thatcher, perdeu de forma durável o combate político e ideológico. Por isso, com medo que um programa radical esbarrasse com a vontade da maioria, anestesiada pelo neoliberalismo, e suscitasse mesmo um avanço da extrema-direita, o autodesignado «marxista errático» decidiu que a sua tarefa seria doravante a de «salvar o capitalismo europeu de si mesmo» e de estabilizar a Europa.

Em suma: mais inteligente do que todos, Varoufakis pretende tornar-se o campeão daquilo que pretende destruir. Será necessário, para «estabilizar a Europa hoje», «forjar alianças com as forças reaccionárias». Depois, mais tarde do que cedo, não se percebe muito bem como, virá a revolução. Esta demora é obviamente vivida com a grande «tristeza de abandonar qualquer esperança de substituir o capitalismo no tempo da minha vida».

Receio que a grande ambição de Varoufakis, a de «estabilizar a Europa» através da «aliança com as forças reaccionárias» não esteja a ser muito bem sucedida. Seria Lenine, afinal, a ter razão? Mais cedo ou mais tarde teremos certamente, pela sua pena, alguns esclarecimentos quanto a esta questão. Entretanto, num mundo ideal, seria bom vê-lo num banquinho dos jardins da Gulbenkian ao lado de Vasco Lourenço.

Com a idade, ganha-se respeito para com as coisas em que os outros acreditam e nós não, desde não afectem as nossas vidas. Um dia, há já vários anos, no metro do aeroporto até casa, fiquei fascinado por um casal de velhotes, com ar de camponeses dos arredores do Porto, que liam entretidamente uma revista dedicada às telenovelas que passavam na televisão. Falavam dos personagens como se fossem pessoas reais, como eles próprios, dotadas de uma existência e de uma autenticidade indiscutíveis. De uns gostavam, a outros odiavam. E uma vez, no quiosque onde compro cigarros e jornais, a propósito de uma actriz portuguesa que costumava aparecer muito nas capas das revistas da especialidade, alternando quase semanalmente, para óbvios propósitos publicitários, uma felicidade amorosa absoluta e tragédias igualmente amorosas de fazer chorar as pedrinhas da calçada, querendo fazer conversa engraçada, disse ao senhor: «Ela esta semana está feliz». Resposta, muito séria: «E bem merece». Juro que poucas vezes me senti tão ofensivamente estúpido.

O problema é com as crenças absurdas que afectam, ou ameaçam afectar, as nossas vidas, como as de Vasco Lourenço e Varoufakis. Aí é que a porca torce o rabo. Sobretudo quando as querem impor contra a vontade da maioria. Seja com a utopia à força do murro na mesa, seja através das falsas subtilezas «pós-marxistas» e erráticas do outro. Nestes casos, as palavras são sempre poucas para denunciar a impostura.





quarta-feira, 18 de março de 2015


Saudades do tempo

em que éramos livres e não sabíamos


Helena Matos, Observador, 15 de Março de 2015

Também a mim me apetece dizer que tenho saudades do tempo em que acreditámos que combater aquilo com que não concordávamos era apenas isso: combater aquilo com que não concordávamos.

Tenho saudades do tempo em que chamar filho da puta a um filho da puta era mesmo só dizer o que pensávamos daquele filho da puta e ofendê-lo na medida do verbalmente possível sem cairmos numa polémica sobre os nossos preconceitos acerca do comportamento sexual que esperamos das nossas mães e das mães dos outros e das outras (manda agora o bom senso dizer tudo em dobro ou quiçá em dobra e dobro). Desse tempo em que o simples pronunciar da palavra mãe não nos levava a ser interpelados sobre as «representações eivadas de uma concepção patriarcal» que subsistem nos recônditos do nosso pensamento, recônditos esses em que existem papéis de pai e papéis de mãe diferenciados, que é o mesmo que dizer estereotipados.

Hoje, independentemente do filho da puta continuar a comportar-se como um filho da puta, há que ponderar que as putas são trabalhadoras sexuais, que ao referirmos a mãe de alguém, seja ela trabalhadora sexual ou não, temos de considerar se estamos a falar da mãe biológica ou não biológica ou da mãe companheira da outra mãe e que, para evitar mais quezílias, o melhor será desistir de falar de filhos ou de filhas pois automaticamente incluímos o ser objecto da nossa ira num género (uma sociedade que trocou o sexo pelo género não está de facto boa da moleirinha!) ao qual não sabemos se ele quer pertencer. No fim o nosso filho da puta passará a «pessoa com relação de parentalidade com trabalhadora sexual» mas nós ficamos com a alma livre de escarmento. Para quem tiver dúvidas na matéria aconselho a consulta do Guia para uma Linguagem Promotora da Igualdade entre Mulheres e Homens na Administração Pública, dado à estampa em 2009, e que entre muitas assombrosas coisas manda que se diga «a gerência» em vez de «o gerente» ou «a direcção» em vez de «o director». (No caso, os directores e os gerentes na hora de lhes chamarmos «grandes pessoas com relação de parentalidade com trabalhadoras sexuais» agradecem porque se o director ou a directora têm nome, a direcção é composta ao certo não se sabe por quem e muito menos se percebe quem nela decide o quê.)

Se alguém tem ilusões sobre a possibilidade de escapar entre os pingos da chuva a toda esta doideira é melhor que as perca: no V Plano Nacional para a Igualdade, Género, Cidadania e Não Discriminação (em vigor até 2017) o Governo comprometeu-se a encomendar um estudo para avaliar até que ponto a «linguagem inclusiva» está a ser utilizada na administração pública. (Realmente é melhor que se entretenham na administração pública porque se chegarem à industria dos moldes ainda acabam a proibir as peças macho e fêmea). Naturalmente o estudo dirá que muita coisa ainda está eivada da terminologia anterior à linguagem inclusiva. E um novo guia de linguagem inclusiva e novos estudos sobre a aplicação da linguagem inclusiva se seguirão. Até ao dia, claro, em que os promotores da linguagem inclusiva descobrirem que esta não faz qualquer sentido e passem a defender o seu contrário com idêntico fervor, idênticas avenças e correlativa proliferação de gabinetes de estudos destas rentáveis temáticas. graças às quais em muitas universidades se tem substituído o saber pelo proselitismo.

Na verdade nestas matérias já nada me espanta desde que, meados do ano passado, descobri que os programas e secções de jardinagem muito populares em países como a Inglaterra e a França andavam a ser criticados pela sua terminologia racista e discriminatória – é o problema da mosca negra, das espécies invasoras, as pragas de plantas exóticas… A obsessão com o racismo tem levado a paradoxos tais que no futuro terão de fazer glossários para que se perceba o vocabulário que criámos nesta matéria: assim, depois da igualdade entre as raças passou-se para as etnias, mais as comunidades e agora andamos nos afro isto e aquilo versus os europeus. Resultado: um negro que viva em Portugal há várias gerações ou que nunca tenha posto os pés em África é designado como africano, ao passo que um branco, mesmo que tenha nascido em África e descenda de uma família radicada naquele continente há mais de um século nunca deixa de ser europeu. (Essa foi aliás a lógica que não só levou a que se chamassem retornados aos portugueses que fugiram de África de 1974 a 1976 mas também a que, contra todas as evidências, políticos e jornalistas tenham apresentado essa fuga como um comportamento exclusivo dos brancos).

Boa parte deste nosso linguarejar não faz qualquer sentido. Por exemplo, manda a novilíngua em alguns países ditos mais evoluídos nas questões da multiculturalidade que não se diga Estado Islâmico mas sim Daesh para não ofender os muçulmanos, alteração que faz tanto sentido quanto designar os cruzados por octognos ou paralelipípedos rectângulos na hora de criticar as cruzadas, alegando que usar o termo cruzados pode ofender os cristãos que têm na cruz o seu símbolo sagrado.

Podia fazer quase uma edição completa do Observador com exemplos dos absurdos a que o politicamente correcto nos conduziu. Na linguagem e não só. Todos os dias há uma polémica. Vivemos em frenesi. Anteontem o problema era a publicação por uma editora da revista Vogue de uma foto onde se via uma mulher com ar de pedinte (agora deve dizer-se sem-abrigo mas preparem-se porque daqui a uns meses esta designação agora tão certinha pode tornar-se maldita!) a ler aquela revista de moda acompanhada da legenda: «Paris está cheia de surpresas… há leitores da Vogue até nos sítios mais insuspeitos». Também tivemos o problema das gaffes de Jeremy Clarkson, um muito apreciado apresentador da BBC a quem um murro dado num produtor acabou com uma longa carreira a dizer banalidades que se tornaram blasfémias. O problema como é óbvio não foi o murro mas sim ele obstinar-se em fazer considerandos politicamente incorrectos sobre sexo, culturas, países… De caminho, o Daily Telegraph até fez um levantamento dos 14 filmes mais politicamente incorrectos e, na prática, do James Bond ao Dumbo, tudo é um repositório de racismo e outros ismos.

Não nos bastando a constante supervisão do presente, o próprio passado é revisto. E assim, de Camões a D. Pedro I sem esquecer Inês de Castro ou a padeira de Aljubarrota os protagonistas passam a ser apresentados como bons ou maus (o maniqueísmo está vivo e recomenda-se) em função dos conceitos que o progressismo manda adoptar no presente. Logo D. Afonso Henriques passa a machista e Dona Teresa a feminista. Os próprios clássicos podem ter de ser reescritos. Das Aventuras de Huckleberry Finn aos filmes sobre a vida de Jesus, em que se analisa o papel dos negros e das mulheres nada escapa a esta perspectiva correctora do passado, do presente e do futuro.

Como exclamam alguns venezuelanos emigrados em Espanha quando recordam o seu país antes da revolução bolivariana «Esse era o tempo em que nós éramos felizes e não sabíamos». Também a mim me apetece dizer que tenho saudades do tempo em que acreditámos – pelo menos eu acreditei – que combater aquilo com que não concordávamos era apenas isso: combater aquilo com que não concordávamos e não criarmos as metástases do Comité de Saúde Pública, de Rousseau. Esse era o tempo em que éramos livres e não sabíamos. E eu tenho saudades dele.





sábado, 14 de março de 2015


O 212.º aniversário do Colégio Militar


João José Brandão Ferreira Oficial Piloto Aviador

«É assim que, por mais que espíritos desorientados
tenham Querido obliterar as tradições d’honra do Exército,
a profissão Entre todas, nobre, foi, é, há-de ser sempre, a militar…»
Mouzinho de Albuquerque

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Caso não tivéssemos presenciado, teríamos percebido pelo silêncio da comunicação social, de que as cerimónias comemorativas do aniversário, em título, tinham corrido bem.

Mas fomos a algumas das muitas iniciativas levadas a cabo, com as quais a direcção do colégio e a associação dos ex-alunos fazem gala em comemorar o evento.

De facto no passado dia 8 de Março (apesar do aniversário ser a 3) entendi ir vivificar o corpo e retemperar o espírito: fui visitar outro país que ainda existe dentro do meu país.

Um «país» que não passa a vida a fazer greves; que não exige direitos, sem os deveres correspondentes; que não se dilacera partidariamente numa «guerra civil» permanente; onde as recomendações da Comissão Nacional da Educação ainda não se aplicam; onde não existem «direitas» nem «esquerdas», onde a corrupção não impera, etc., e onde se trabalha naturalmente, tentando fazer melhor amanhã do que hoje.

Apesar – é de realçar – dos disparates ministeriais avulsos, acompanhados da aparente demissão de algumas chefias militares, relativamente à defesa institucional dos colégios militares, cujo exemplo mais grave tem a ver com o criminoso encerramento do centenário Instituto de Odivelas.

Chefias militares que se olvidaram de que são os descendentes e herdeiros dos antigos condestáveis da Nação.

A estas cerimónias, sobretudo ao desfile do Batalhão Colegial, na Avenida da Liberdade e à missa, em S. Domingos, deveria assistir todo o parlamento.

Só lhes fazia bem lobrigarem o garbo imperturbável daquele «Corpo de Alunos», desfilando Avenida da Liberdade abaixo – eles que são um garante da nossa liberdade, presente e futura; a camaradagem esfuziante dos ex-alunos, saudosos dos tempos passados; o entusiasmo das famílias e amigos e à alegria de todos – até os turistas que passam ganham um bónus extra, ficando de olhos esbugalhados a olharem para o que se passa!

Seguramente que a maioria dos nossos deputados não entenderia muito do que, por graça de Deus, lhes seria dado ver, mas estou certo que não se lhes negaria a caridade das explicações necessárias.

Talvez ganhassem uma nova postura quando regressassem ao parlamento…

Verificariam que a cerimónia começou a horas, que o cerimonial é tradicionalmente mantido segundo das regras da ordenança, e também vislumbrariam aqui e ali, cidadãos que apanhados no meio dos eventos, não se sabem comportar perante uma formatura militar nem respeitam os símbolos nacionais, neste caso a bandeira e o hino, não mantendo uma atitude respeitosa em face deles.

Ora respeitar os símbolos nacionais é dever de todos, onde não se aplica o livre alvedrio e que deve estar sujeito a sanções adequadas. Um âmbito que devia constituir especial interesse para a agora chamada «Casa da Democracia».

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E é o estandarte nacional com a divisa camoniana «Esta é a ditosa Pátria minha amada», à guarda do Colégio Militar – por sinal um dos mais condecorados do país – que rompe a marcha aos ombros do aluno n.º 198/2007, José Pedro Ribeiro Gomes, a quem foi confiada essa honra.

Honra extensiva a todos os alferes porta-estandarte, das Forças Armadas Portuguesas e que representam a «reencarnação» actual de Duarte de Almeida, «o decepado», porta-bandeira na Batalha de Toro, em 1 de Março de 1476, que golpeado sucessivamente, lutou heroicamente, para evitar que o sagrado símbolo lhe fosse sacado ou derrubado. Desde então que, aos sucessores na função, lhes é relembrado este exemplo. Assim deve continuar a suceder.

Exemplo que, aos deputados da Nação, que supostamente representam o povo português, deve merecer, também, ponderada meditação.

É certo que o alinhamento das diferentes companhias de alunos não foi perfeito, quiçá milimétrico, como nas paradas orientais. Mas tem que se ter em conta que não estamos a falar de profissionais, nem tão pouco aqueles marcham em fileiras abertas com frente de seis…

Concedo que não conseguia ver reflectida a minha cara no lustro de todos os sapatos dos uniformes, mas levo isso à conta da cada vez mais diminuta verba distribuída às FA, o que já se deve reflectir na falta de escovas e na graxa; mas já me preocupa o ter vislumbrado alguma ferrugem em muitas baionetas. Afinal nós nunca sabemos quando vamos precisar delas!

Enfim, e numa palavra, continua a ser a unidade militar que melhor desfila em Portugal (bom, a Academia Militar, no meu tempo, fazia-lhes concorrência…)!

Encerra a formatura a «Escolta» a cavalo, em galope curto – o clímax do evento.

Salienta-se que esta «Escolta», juntamente com a «Reprise» de Mafra, o ensino de equitação na Academia Militar e o Ex-Regimento de Cavalaria (recuso-me a soletrar o novo nome que lhe deram), da GNR, são o que resta de todas as tradições equestres do Exército Português…

Muitas mentes questionam-se se lidar com armas é próprio para menores.

Poderia responder simplesmente que, sendo o Colégio Militar, uma unidade militar, não faria sentido algum que o uso de armamento estivesse afastado do seu quotidiano; mas não quero deixar de defender que tal «convívio» só lhes faz bem, pois desde novos aprendem a usar e a respeitar uma arma, tendo o enquadramento, a disciplina e a instrução adequada para tal.

Por último, aprendem a utilizar as armas no sentido do Bem, pois as armas não são em si, boas ou más: a mão que as manuseia é que o pode ser!

O batalhão destroça no Largo de São Domingos e, enquanto os acompanhantes se quedam em algazarra, confraternização, gritos de «zacatrás» e alguma ginjinha, as cerimónias prosseguem na nunca reconstruída, mas lotada, Igreja de S. Domingos, onde casaram reis e de onde se contempla Lisboa desde há sete séculos. Presidiu o novo Bispo das Forças Armadas e de Segurança, D. Manuel Linda, a quem saúdo, nesta primeira aparição pública que presenciei e em que esteve feliz, por abordar na sua homilia temas importantes de forma equilibrada. Também, por seguramente ter tido uma agradável surpresa com o que, por mercê do Senhor, lhe foi dado presenciar.

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A missa acaba por ser uma mistura de cerimónia religiosa, de acção de graças, adornada de todo o cerimonial militar correspondente, à mistura com um toque distintivo da matriz cultural da grande família colegial.

De tudo resultando o encontro de gerações, a renovação com a perenidade; a plenitude da alma, a unidade telúrica de um todo.

O Colégio Militar – os colégios militares – são pois instituições verdadeiramente nacionais, que formam portugueses, nos diferentes níveis do seu ser.

São seiva da Nação e, se não estiver enganado, poderemos vê-los sempre na linha da frente, ou na derradeira linha da defesa e desenvolvimento do País.

Não é pois de estranhar, que os queiram deitar abaixo… Parabéns por mais um aniversário. E contem muitos, pois enquanto existirem Portugal vai ter alguma dificuldade em desaparecer.