BLOGUE DA ALA DOS ANTIGOS COMBATENTES DA MILÍCIA DE SÃO MIGUEL

sexta-feira, 15 de julho de 2016


Não há voluntários para a tropa!


João José Brandão Ferreira, Oficial Piloto Aviador

«As únicas nações que têm futuro, as únicas que
se podem chamar históricas, são aquelas que
sentem a importância e o valor das suas instituições
e que, por conseguinte, lhes dão apreço».
Tolstoi

Parte da comunicação social deu-nos a conhecer as preocupações do senhor ministro da Defesa (MDN) Azeredo Lopes, pelo facto de não haver candidatos em quantidade suficiente, para preencher as vagas existentes para voluntários e contratados, nos três Ramos das Forças Armadas (FA), nomeadamente no Exército.

Isto claro, apesar da elevadíssima taxa de desemprego existente no burgo e do sempre decrescente (ridículo mesmo) número de vagas autorizadas pelos sucessivos governos, para as necessidades do funcionamento mínimo, do sistema de forças e dispositivo, que permitam cumprir as missões superiormente definidas.

Ignoramos como é que o senhor ministro deu conta desta realidade, dado ter certamente andado distraído nas suas vidas passadas, mas suspeitamos que tal informação lhe terá chegado após informação comedida e institucional, do senhor general CEMGFA, quiçá do Conselho de Chefes Militares, que numa iniciativa ousada, patriótica e cheia de sentido de Estado, entenderam alertar S. Excelência – pondo em risco, sei lá, as suas fugazes carreiras – de tão lamentável, quanto previsível, facto.

Vou comentar, pela última vez, esta situação de indigência política, cívica e moral, a que o País chegou, pois estou fartinho de contribuir para este «peditório».

Os antecedentes mais recuados que explicam o actual «status quo» – insisto, de indigência e menoridade – têm a ver com a funesta decisão de se acabar com o serviço militar obrigatório, que uma obnóxia revisão constitucional abriu caminho.

Depois de um «intermezzo» perfeitamente surrealista que Salvador Dali não desdenharia, e que passou pela fabulosa novela das campanhas das juventudes partidárias (excepção para o PCP), contra o Serviço Militar, que culminou no SMO de quatro (!) meses, o Parlamento acabou com esta notável demonstração de civismo patriótico, do mais elementar bom senso, que o serviço militar configurava e puseram-lhe um fim, «de facto», em 19/09/2004 (a argumentação de que o SMO tinha falhas – o que era verdade – não colhe, pois o que era necessário fazer era emendar as falhas e não causar a falha maior que foi extingui-lo!).

As chefias militares, de então, vá-se lá saber porque bulas, ficaram a ver navios no alto de S. Catarina, aliás como tem ocorrido com todas as decisões de alguma importância relativamente à Instituição Militar (tribunais; RDM; colégios; IASFA; congelamento de promoções; LPM; saúde militar; ensino, EMFAR, etc., etc., enfim tudo!).

Tal decisão obrigou, de imediato, a IM a concorrer no mercado de trabalho com as outras profissões, mas com meios limitadíssimos para que pudessem fazer face ao mesmo. E iniciou-se uma deprimente e desadequada mudança no sentido da funcionalização da nobre profissão das armas e de uma «civilização» acelerada das estruturas do MDN e não só.

Foi o «estar» em vez do «Ser»!

As razões para a falta de voluntários fundam-se nos factos seguintes:

Em primeiro lugar na falta de empenhamento político. A primeira coisa que fizeram foi passar a bola, isto é, a responsabilidade de arranjar voluntários para os Ramos das FA! Que não tinham os meios, a experiência, nem lhes devia caber, tão pouco, a responsabilidade de tal ónus.

E já se ouviram responsáveis políticos culparem os Ramos de não serem suficientemente «atractivos»! Que cáfila despudorada!

A falta de empenhamento político transparece também, nos programas escolares. A Instituição Militar representa um buraco negro, nos manuais. Nos livros por onde estudei, desde muito novo, falava-se no «glorioso exército português»…

Em segundo lugar temos que contar com a miserável campanha de silenciamento de tudo o que se passa na IM, sobre as missões que cumprem, o conhecimento das suas acções e dos seus valores, rituais e historial.

E nisto, a maior responsabilidade não deixa de caber também aos políticos, mas cabe também, em grande medida, à generalidade da comunicação social e resume-se nisto: o que não passa na televisão não existe!

E o pouco que vê a luz do dia é de um modo geral medíocre, visa a exploração do que corre eventualmente mal, faz a crítica pela crítica, quando não é maldoso.

Por sua vez, os responsáveis políticos o mais que se atrevem a fazer, por norma, (apesar de quase nunca fazerem criticas, em público) é a de exalar frases redondas e de circunstância.

Como é que se pode esperar que os jovens venham alistar-se quando o pouco que lhes chega sobre as FA tem estas características?

Em todo este processo as FA, em termos de relações públicas e de comunicação social, apesar de muito aperreada pelos poderes do Estado, não têm tido o querer e, ou, o saber para dar a volta à equação. E de facto não é fácil dar a volta à situação quando o «inimigo» se encontra onde supostamente devia fazer parte das «forças amigas»…

Em terceiro lugar, temos o aviltamento da sociedade, onde passou a imperar o relativismo moral, o ataque aos princípios, às instituições, à família; ao patriotismo, a tudo enfim, que mantenha a prevalência do bom que há na natureza humana e permitia uma evolução social e nacional saudável.

Ou seja criou-se uma sociedade cujos valores são perfeitamente antagónicos quando não inimigos, daqueles veiculados e exigidos pela vida militar e que ainda se vai tentando preservar quartéis adentro.

Como é que se pode querer que um jovem que está habituado a passar de ano sem estudar e sem saber; que se levanta às horas que quer; que não tem respeito a professores, pai e mãe; inchado de direitos e relapso a deveres; cheio do seu individualismo, egoísta, que não sabe estar conforme as circunstâncias; ignorante de tudo, pendurado na tecnologia alienante e escravo do «deus mamon», vai querer entrar para o serviço militar, onde lhe impõem regras e horários; tem que se vestir e ataviar adequadamente; onde o fazem transpirar quando não lhe apetece; dão-lhes ordens a que ele tem de obedecer; onde o conjunto prevalece sobre o indivíduo e onde mentir, roubar, enganar, ser cobarde, sabujo ou videirinho, ainda dá direito a sanções materiais e morais?

Será que não atinam com nada?

Não quero deixar de acrescentar – não vá restar alguma dúvida – que não é a IM que está mal, mas sim a indigência política, cívica e moral em que a sociedade se transformou!

Aliás, o problema, deve dizer-se, não é apenas português, é europeu (não é por acaso que a União Europeia está no estado lastimoso em que se encontra…).

Por exemplo a tropa francesa está cheia de emigrantes naturalizados, ou de segunda geração (aliás parecido com a sua selecção de futebol!); os espanhóis vão-se aguentando com latino-americanos a quem oferecem também a nacionalidade, isto para já não falar nas unidades estrangeiradas, tipo Legião, «Gurkas», etc. com que alguns vão minorando os problemas da sua mesnada.

Eu sei que os governos portugueses nem sequer têm dinheiro para estas fantasias, pois têm-no gasto a salvar bancos e outras «filantropias» do mais fino recorte, tão pouco para contratarem «organizações de segurança» à moda americana, restando-lhe talvez a oferta de «vistos Gold», para quem se disponha a fazer dois anitos nas fileiras. Talvez pesquem umas dezenas de chineses que se enganem a preencher os papéis, angolanos fugidos ao MPLA, uns tipos do DAESH (que já trazem experiência e tudo), etc.. Aqui fica o alvitre.

Não precisa preocupar-se em agradecer, senhor ministro.

*****

Ora isto traz-nos ao problema maior que não é a falta de voluntários em termos de quantidade, mas a da sua qualidade. E tudo isto é consequência do atrás referido.

A grande maioria da rapaziada que chega (para já não falar no elevado número de mulheres que é recrutada – já nem vou falar disso...) está cheia de maleitas físicas, derivadas de maus hábitos de vida (visão, coluna, ouvidos, obesidade, etc.); débeis físicos, vítimas do sedentarismo e da educação física incipiente, dada nas escolas; maus hábitos sociais, etc.; ignorantes encartados (a mediocridade do ensino é catastrófica); moralmente aleijados e sem o menor espírito de sacrifício ou capacidade para enfrentar contrariedades, o que faz com que inúmeros desistam às primeiras dificuldades, etc…

Ora mesmo com a água benta toda que se tem aspergido (vulgo baixar critérios e bitolas) não resta um número mínimo de mancebos capazes para o serviço das armas.

E podem oferecer-lhes 10 ordenados mínimos que eles também não vêm…

Finalmente, além de se ter acabado com toda a dignidade política, cívica e espiritual do instrumento militar da Nação, tudo se tem feito para desarticular, tripudiar, reduzir à ínfima espécie, etc., os Ramos das FA e os seus servidores: mudam as regras a meio do jogo constantemente, rebentaram com as carreiras, os poucos apoios sociais existentes e transformando a justiça relativa numa comicidade risível.

Aos voluntários e contratados têm ainda tido a falta de vergonha militante, de lhes tentar subtrair tudo o que lhes acenaram, para que eles, ao engodo, se alistassem…

Se isto é o Estado de Direito Democrático com que enchem a boca, eu tenho de acrescentar que quero é que ele se vá estabelecer no extremo da galáxia, atrás do sol – posto, no calcanhar do universo!

A situação só tem uma maneira de se resolver: oficiais, sargentos e praças: requeiram todos a passagem – efectiva a 30 dias – para a reforma, reserva ou abate ao serviço, em simultâneo!

Já não há pachorra e esta gente que nos tem desgovernado não conhece outra linguagem.





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