BLOGUE DA ALA DOS ANTIGOS COMBATENTES DA MILÍCIA DE SÃO MIGUEL

quarta-feira, 29 de julho de 2015


Os colégios militares incomodam Vital Moreira


João José Brandão Ferreira, Oficial Piloto Aviador

«Uma tradição que não atenta contra nada, nem contra ninguém»

Escreveu o dr. Vital Moreira (V.M.), no PÚBLICO de 2 de Agosto, uma catilinária contra as três escolas de ensino secundário, a cargo do Exército (o Colégio Militar, os Pupilos do Exército e o Instituto – e não escola, como referiu – de Odivelas), propondo, pura e simplesmente, a sua extinção.

A gente entende o dr. V.M., estamos em Agosto, tempo de férias e S. Ex.ª está com um fastio enorme, não sabendo em que ocupar-se. Em vez de ir dormir a sesta, resolveu desopilar sobre assunto que desconhece. A ignorância é, porém, sempre atrevida.

Que nos disse então este infeliz trânsfuga da política, que resolveu ir ressuscitar uma ideia do primeiro manifesto do Partido Socialista (seu novo partido), velha de 38 anos?

Pois que os colégios militares (CM) devem desaparecer por três razões, a saber:

Não fazer sentido existir «escolas oficiais para alunos oriundos de determinada classe ou profissão»;

«Não constarem nas missões das FA e de segurança ministrar ensino básico e secundário aos filhos dos seus membros (muito menos a outras)»;

«Serem escolas institucionalmente exóticas no sistema de ensino».

Analisemos, então, as «gravíssimas» acusações deste portentoso intelecto.

Primeiro, os CM não servem nenhum grupo social ou profissional, são abertos a todas as famílias da sociedade. É lamentável que um causídico e jornalista nas horas de pachorrenta digestão não tenha procurado informar-se desta evidência simples. E, de facto, tem razão, os militares e polícias não pertencem, nem nunca pertenceram a «castas», sistema de organização social que nunca vigorou em Portugal, desde o tempo do Sr. Rei D. Afonso, o conquistador. A não ser que considere a nobreza, o clero e o povo como castas.

Adianta ainda o extraordinário pensador ser de extinguir a «noção de sociedade militar como noção oposta à de sociedade civil, existindo separadamente». Falou até em apartheid!

O homem vê coisas que eu nunca vi. Podia dar-se a hipótese de eu ver mal e ele bem, mas, como vou passando nas inspecções médicas semestrais, pode dar-se o caso de ser a outra parte a ter alucinações. Cuidado, pois!

Não precisa, por outro lado, de se autodefender de acusações de ser antimilitar, nós já o conhecemos de ginjeira.

Só uma pergunta: deveremos, pelo que diz, considerar a Ordem dos Advogados como uma instituição de classe, que visa o apartheid com a restante sociedade?

Segunda questão

É certo que não consta das missões das FA e policiais ministrarem ensino secundário. Também não consta que devem ter assistência de saúde para familiares; apoio à terceira idade, nem gerir bairros ou messes de apoio social.

As missões das FA estão voltadas para as operações militares e o apoio «cívico», na sua capacidade supletiva. Tudo isto pressupõe, todavia, uma retaguarda. É um todo.

Sem embargo, os CM, não fazendo parte de nenhuma das missões definidas, são, ao contrário, decorrentes delas e justificam-se através delas.

Na origem da necessidade de haver escolas que atendessem às necessidades específicas da condição militar (o CM está até entre os pioneiros em todo o mundo) está o facto da ausência frequente do progenitor, em paragens distantes, ao serviço da instituição/Estado/Nação e ainda a necessidade de cuidar dos órfãos e outros desvalidos, situações sobretudo recorrentes em tempo de guerra.

É certo que, actualmente, a rede escolar e o apoio social é muito mais vasto do que em tempos passados (parece que está a regredir novamente...), mas as necessidades não desapareceram de todo. Mas, pergunta-se, a existência de CM retira alguma coisa a alguém ou deixou de ser uma mais-valia?

E que valem os pruridos ideológicos do sr. Moreira perante uma realidade a quem o país tanto deve?

Terceiro

Não podemos deixar de concordar com V.M. ao considerar como «exóticos» os CM, embora certamente não pelas mesmas razões. De facto nos CM os professores ensinam, os alunos estudam, não há greves, não há graffiti, não há lixo; há respeito, organização e disciplina. Todo o mundo anda a horas, bem vestido e ataviado; existe hierarquia e sabe-se quem manda e em que circunstâncias. Mentiras, roubos, droga, homossexualidades e outros vícios são severamente reprimidos. Os alunos chumbam, quando não estudam, e não há lugar para madraços. Ensina-se liderança e patriotismo. Existe uma «família colegial» e criam-se laços para a vida.

Como se sabe, qualquer semelhança com a realidade tutelada pelo Ministério da (des)educação, é pura coincidência...

Acredito pois, piamente, que V.M. ache tudo isto exótico, pois nunca deve ter vivido nada semelhante, agora que não queira dar conta...

Já agora, os CM, se bem que tenham uma direcção diferente e um ensino com regras militares (o que, by the way, tem muitas vantagens), estão perfeitamente integrados no ensino público oficial; têm propinas caras (os órfãos de militares não pagam), e ninguém é obrigado a ir para lá, ou a lá ficar – o pacote de actividades também não tem paralelo em nenhuma outra escola do ensino secundário.

Internato e segregação de sexos, tendo vantagens e inconvenientes, nunca traumatizaram ninguém.

Para finalizar, o argumentário desta pública figura ilumina-se com duas razões finais, quiçá definitivas: nem a tradição, nem a escassa poupança da sua extinção justificam a manutenção dos CM. E vai buscar os exemplos daquilo que considera uma tradição maior e que, apesar disso, foram derribados: os tribunais militares e o Serviço Militar Obrigatório!

O dr. V.M. perdeu, mais uma vez, uma boa oportunidade de estar calado, pois foi recordar duas lamentáveis decisões que só a demagogia político-partidária e a ignorância militante justificam. Dois erros de alto coturno: um que põe em causa a condição militar; o outro que ajuda a subverter a consciência cívica da Nação.

Por isso, ó autoproclamado constitucionalista, não vale a pena juntar mais erros aos que já foram feitos (o da saúde militar vem a caminho...).

Por seu lado, a tradição de haver CM não atenta contra nada nem ninguém – a não ser, pelos vistos, o equilíbrio psicossomático de alguns comentaristas; as tradições fazem parte da vida dos povos, são um cimento identitário. Mas os CM não são só tradição, são realidades palpáveis e são competentes naquilo que fazem.

O CM tem mais de dois séculos de existência; o IO já passou um século e é do fim da Monarquia; o IMPE fez agora 100 anos e representa uma das poucas coisas úteis que a I República nos legou. Ganharam jus a serem considerados instituições nacionais, mais a mais quando já passaram a prova do tempo. Provaram até muito melhor que a actual Constituição...

Finaliza o também docente universitário (o que será que ele ensina aos seus alunos?), remetendo os militares para o seu core business, isto é a Defesa Nacional, e os polícias para a segurança interna – será que ele pensa que os ditos cujos não são cidadãos de corpo inteiro?

Devolvo-lhe a impertinência, meta-se a fazer o que sabe e não se arme em pintor Apelles.

Resta apenas perceber o que, verdadeiramente, move o dr. V.M. Talvez o título do seu escrito nos elucide, chamava-se «Instituições de classe». A formação marxista (estalinista?) não perdoa.





Sem comentários:

Enviar um comentário