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sábado, 23 de setembro de 2017

Não há ministro — no limite, não há Exército


David Martelo, coronel do Exército, 11 de Setembro de 2017

Depois da preocupante entrevista do ministro da Defesa ao DN e TSF, em 10 de Setembro, já não há contenção verbal que se não transforme em desinteresse ou cumplicidade. Se é verdade que a maioria do país – jornais, televisão, rádio, partidos políticos – terá enorme apetência por assestar as suas baterias na figura de Azeredo Lopes, importa perceber que o problema do ministro, sendo muito grave, é de resolução relativamente fácil. O mesmo se não pode dizer do Comando do Exército, o qual, inexplicavelmente, é dado como desaparecido (e não foi em combate).

Em poucos meses, vieram para o domínio público os dolorosos acontecimentos relacionados com a morte de dois instruendos do Curso de Comandos e o espantoso «caso de Tancos» – assim mesmo, com aspas, porque já não é certo que seja algo relacionado com uma organização militar.

Não custa a crer que o enorme desinvestimento a que sucessivos governos têm vindo a sujeitar as Forças Armadas (FA) tenha algo a ver com o filme de terror a que vimos assistindo nos últimos meses. Mas é chegado o momento de falar claro sobre o Exército e as responsabilidades próprias que o Ramo tem no desprestigiante cenário que está perante os olhos dos Portugueses.

Quando o ministro afirma ao DN/TSF que, «no limite, pode não ter havido furto nenhum», está a acusar o Comando do Exército de completa incapacidade para, ao fim de cerca de 70 dias, ter alguma certeza sobre o que se passou em Tancos, que pudesse ser objecto de um sucinto Relatório Preliminar. O silêncio humilhante do Comando do Exército parece confirmar esta sombria realidade. E, se o silêncio é, por si só, humilhante para a hierarquia superior do Exército, é igualmente humilhante para todos os militares, no activo, na reserva e na reforma, impossibilitados, por assombrosa falta de informação, de perceberem o que se passou e poderem usar essa informação no convívio com os seus familiares e amigos.

É uma emergência nacional a tarefa de pôr fim a esta calamidade militar. O Exército tem de ser objecto de uma urgente reanimação, na qual não podem participar os quadros que o fizeram marchar, num pântano de inaceitáveis cedências e egoísmos carreiristas, para a deplorável situação em que se encontra. É urgente a ascensão ao topo do Exército de oficiais que deixem de ser os representantes do governo junto dos seus militares e sejam, acima de tudo, os representantes dos militares junto do governo.

É difícil fazer chegar ao topo militares com perfil de CORAGEM? Sim, especialmente em tempo de paz. Como afirmava Charles de Gaulle:

As personalidades poderosas, orientadas para a luta, para os grandes acontecimentos, nem sempre são detentoras dessas vantagens fáceis, dessa sedução superficial, que agradam no dia-a-dia. Os temperamentos sujeitos a censuras são, por norma, ásperos, incómodos, até cruéis. Se as massas concordam, em surdina, com a sua superioridade e lhes prestam uma obscura justiça, é raro, no entanto, que os amem e que, consequentemente, os beneficiem. A selecção que administra as carreiras recai mais gostosamente sobre o que agrada do que sobre o que merece.[1]

Tem sido este o drama da selecção dos altos postos do Exército. Quando chega a ocasião de nomear um novo Chefe de Estado-Maior, tem sido regra, com poucas excepções, a escolha do mais sorridente e colaborante dos candidatos. Alguém que não traga problemas e esteja muito contente por ter chegado onde chegou. Este perfil não serve para a emergência que o Exército atravessa. O Presidente da República e Comandante Supremo das FA tem, nesta conjuntura, o dever patriótico de influenciar decisivamente a escolha do próximo chefe do Exército, ao qual competirá conduzir a reconstrução do MORAL dos seus subordinados, fazendo-os voltar ao culto do brio sem o qual tudo fica em causa. Razão tinha Napoleão Bonaparte quando afirmava que «na guerra, o moral está para o físico como três para um». E, é justamente no plano moral que o Exército se encontra submerso. Já nem pia!


[1] Charles de Gaulle, Le fil de l’épée, Plon, Paris, 1971, p. 49.





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